Tenho uma viva lembrança em minha mente quando morava com meus pais num apartamento de dois quartos no bairro do Catumbi, na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. No final da travessa, onde ficava o edifício onde morávamos, havia uma escadaria, bem íngreme, que levava a uma rua do bairro de Santa Teresa na qual circulava o tradicional bondinho em que viajei com meu pai muitas vezes a passeio ou quando ia à Biblioteca Municipal de Santa Teresa para fazer pesquisas escolares. Mas não é do bondinho de Santa Teresa ou dos trabalhos escolares a que me refiro sobre essa viva lembrança que mantenho nos recônditos de minha mente. É sobre um quadro que havia na parede de meu quarto em que aparecia uma ilustração de Jesus, que minha mãe dizia que era Deus, sentado diante de um monte vislumbrando uma bela paisagem noturna. Sobre esse monte mais tarde aprendi que seria o Monte das Oliveiras, onde Nosso Senhor falou sobre acontecimentos importantes que tinham que ver com o futuro da humanidade. Devido a certa forma de interpretação religiosa aceita por mim, durante um bom tempo, tais acontecimentos moldaram significativamente tanto a minha mente como todas as minhas perspectivas sobre o que desejava para o meu futuro. Minha mãe não era uma pessoa inclinada à religião de uma maneira devota, mas levava tanto a mim e ao meu irmão, às vezes, ou numa Igreja Católica que havia no bairro onde morávamos chamada de Igreja de N. Sr.ª da Salete ou na Igreja de Santa Luzia, no centro, do Rio de Janeiro. Particularmente não gostava do ambiente sombrio e meio assustador diante das muitas imagens que havia nessas igrejas, pois, na época, não compreendia o que significavam. Quando indagava minha mãe sobre isso ela me dizia que eram os santos da Igreja que intercediam a nosso favor perante nosso Pai, Deus. E assim estava sendo, aos poucos, construída a minha imagem mental sobre Deus. Um Deus que era bom, mas ao mesmo tempo punia quem fazia o que era mal e tinha até mesmo um prazer mórbido de “nos pegar ali na próxima esquina”, para castigar-nos, em caso de qualquer desvio. Com tal pensamento, sempre demonstrava grande temor a Deus, quase que um síndrome do pânico, mas em parte isso me ajudou a não me envolver e a nem causar dificuldades aos meus pais por algum mau comportamento. Na realidade, até o início da adolescência, a minha ideia sobre Deus permaneceu nessa forma simplória e ingênua. Aos 12 anos de idade, após a separação de meus pais, fomos eu, minha mãe e meu irmão morar na casa de um tio na cidade de São Gonçalo, também no estado do Rio. Ele era, na época, diácono da Igreja Presbiteriana do Brasil, muito dedicado e ávido leitor de um livro, que nunca havia visto até então, de capa preta, beiras douradas, já bem gastas, que posteriormente vim a saber, que era a Bíblia Sagrada, a Palavra de Deus ao ser humano, Sua revelação escrita. Nessa ocasião, passei a frequentar a igreja em que ele congregava e foi ali que surgiu minha curiosidade sobre esse livro. Ele sempre falava sobre as fantásticas profecias de Daniel e Apocalipse e dizia que Jesus voltaria em breve para levar a Sua Igreja para o céu e destruir este mundo mau lançando todos os ímpios no fogo do inferno. Certamente, por não querer “virar churrasco” fazia de tudo para acompanhar meu tio na Igreja, ao contrário de minha mãe que continuou católica até falecer em 2007. O meu tio era uma pessoa muito inquiridora, apreciava ler e possuía uma pequena biblioteca com vários livros e dicionários e havia um livro em especial que me chamava muito à atenção, de capa amarela e letras vermelhas no título, que se chamava "Meu Livro de Histórias Bíblicas". Esse livro era e ainda é publicado pela Associação Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, a editora das Testemunhas de Jeová. Era um livro muito bem ilustrado e escrito num estilo cativante para crianças e adolescentes que narrava as histórias da Bíblia. Eu gostava muito de ler esse livro, mas mal imaginava que anos mais tarde ficaria profundamente envolvido no movimento da publicadora de tal obra e teria minha igualmente afetada para sempre. Continuei frequentando a Igreja Presbiteriana até o ano de 1980, quando eu e minha família deixamos de morar com meu tio. Até o ano de 1984 por estar envolvido com a conclusão de meus estudos do ensino médio e buscando uma colocação de emprego como técnico de edificações, minha formação original, havia perdido o interesse em assuntos religiosos. Até que um dia, no ano seguinte, na casa de uma amiga de infância, um senhor, com sotaque português, me impressionou bastante ao responder a questões sobre a Bíblia. Ele era uma Testemunha de Jeová. Minha amiga estava frequentando as reuniões do “Salão do Reino”, mas como morava em outra cidade, na ocasião, não cheguei a acompanhá-la. Porém, ficaram bem gravadas em minha lembrança a grande fé e convicção que aquele homem simples demonstrava ao falar sobre Deus e Sua Palavra. Interessante é que alguns meses mais tarde, um amigo meu, dos tempos do ensino médio, também havia começado a estudar a Bíblia com as Testemunhas de Jeová e ficava literalmente horas conversando comigo tentando persuadir-me a estudar a Palavra de Deus com elas, pois “elas tinham a verdade!” Cheguei a assistir a duas assembleias de circuito, mas meu interesse, na ocasião, não passou disso. Voltando à minha amiga de infância, algum tempo depois, ela havia deixado de frequentar as reuniões jeovistas e estava se associando com a Igreja Missionária Evangélica Maranata, que se reunia num auditório no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Ela me levou algumas vezes a essa igreja pentecostal e me lembro de certa aula da Escola Dominical em que o tema era sobre “seitas” e a mais citada, é claro, foi a “seita dos testemunhas-de-jeová” que “era muito perigosa”, pois “ensinava muitas heresias” e que “eles pronunciavam o nome de Deus, ‘Jeová’, de modo errado, pois a pronúncia correta era ‘Javé’ e que esse nome jamais deveria ser pronunciado”, de acordo com o entendimento que tinham do mandamento de “não tomar o nome de Deus em vão”. Concordando com tudo o que estava sendo dito nessa aula, num momento de impulso, resolvi fazer um comentário de que “esse povo tinha uma lábia danada”. Todos concordaram e o conselho da instrutora da escola foi: “Vamos ficar com o SENHOR e deixa esse povo com o ‘Jeová’ deles pra lá!” E assim, realmente segui o conselho dela e por algum tempo deixei “esse povo” de lado, até o início de 1987. Nesse ano, já com 20 anos de idade, comecei a sentir um forte desejo de servir a Deus e achava que já era hora de me decidir por uma religião. Visto que estava frequentando a Igreja Missionária Evangélica Maranata com a minha amiga de infância resolvi tentar permanecer ali, embora não me sentisse nada à vontade com o estilo pentecostal de culto. O ponto de virada, porém, se deu num certo domingo quando o pastor começou a pregar sobre o assunto da necessidade de se buscar a salvação e fiquei prestando muita atenção, pois era algo que eu estava sentindo a necessidade insaciável de alcançar. Num certo momento do sermão, ele fez uma longa pausa e disse: “A pessoa pode estar frequentando a igreja, pagando o dízimo e fazendo tudo certinho, mas se não for o escolhido do SENHOR, de nada adiantará”. Nessa hora senti como se tivessem jogado “um balde de água gelada” sobre minha pequena fé. Voltei para casa aturdido e pensando: “Como vou saber que sou um escolhido de Deus?” A partir daí, decidi não mais frequentar essa igreja e me afastei por algum tempo da religião, até que certo dia, indo à casa do meu amigo do ensino médio, que mencionei mais acima, falei-lhe de minhas dúvidas e temores. Ele então me entregou um livro da Torre de Vigia chamado "Raciocínios à Base das Escrituras", me dizendo que tal livro “tiraria de vez todas as minhas dúvidas” e, de fato, parecia ter removido toda a escuridão lançada pela palavra imprudente daquele pastor, que posteriormente descobri, era fruto do mal interpretado ensino da predestinação crido em muitas denominações evangélicas. A partir daí, decidi me associar com o movimento das Testemunhas de Jeová em abril de 1987, na congregação Sete Pontes em São Gonçalo, sendo batizado em 29 de janeiro de 1989. Minha mãe e meu irmão, que é portador de deficiência, não entraram para o movimento. Aliás, de toda a minha família eu fui o único a me tornar adepto da Torre de Vigia, e segui à risca a instrução de evitar associação muito achegada com meus parentes “mundanos”, de acordo com a política isolacionista organizacional implantada na mente dos seguidores desse grupo religioso. A partir de então, me empenhei de todo o meu coração para realizar a “obra do Reino”. Fazia questão de trabalhar de 8 a 9 horas por dia todo sábado no “serviço de campo” num território isolado próximo da primeira congregação a qual me associei por 4 anos, além de dedicar-me ao “serviço de campo” também aos domingos por pelo menos 4 horas na parte da manhã. Ou seja, toda a minha vida, a partir dos 20 anos de idade, foi a de dedicar o máximo de tempo possível que tinha livre, durante as folgas no trabalho secular, ao serviço de pregação de casa em casa. E foi nesta minha primeira congregação, que em 1990, tornei-me servo ministerial e em pouco tempo já comecei a fazer Discursos Públicos tanto em minha congregação como em congregações vizinhas. Um ano antes de mudar de congregação, em 1990 os anciãos assumiram um território isolado na cidade de Itaboraí, num bairro chamado de Visconde de Itaboraí. Todos os domingos durante 3 anos fazia uma viagem de trem durante quase uma hora e meia para visitar as casas neste bairro, convidando pessoas interessadas a estudar a Bíblia, e, como fruto desse trabalho, em dezembro de 1991 foi formada oficialmente a congregação Visconde de Itaboraí das Testemunhas de Jeová, numa casa cedida por um dos irmãos da congregação Sete Pontes que apoiavam a obra na ocasião. Poucos irmãos da minha anterior congregação continuaram lá e com o passar do tempo apenas eu, do grupo original, continuei nessa congregação, tornando-me assim ancião em 1992. Devido às demandas da congregação senti a necessidade de mudar-me para a cidade de Itaboraí, deixando dois empregos de meio período que tinha, dentro da minha formação profissional como desenhista de arquitetura e técnico em edificações, me aventurando a trabalhar como balconista na loja de uma pessoa que estava estudando a Bíblia e que depois se tornou, com o tempo, co-ancião na congregação que ajudei a formar. Hoje vejo que acabei, por uma atitude egoísta de minha parte, impondo um sacrifício desnecessário à minha família, pois a cidade de Itaboraí, na época, era muito carente das facilidades de uma cidade maior. Por fim, após ter trabalhado por 3 anos nessa loja, o dono, que já era irmão na congregação, estava tendo dificuldades e precisou me dispensar. E assim, fiquei por 3 anos, até dezembro de 1999, desempregado pois não conseguia arranjar trabalho nessa cidade que oferecia poucas oportunidades e também as empresas de cidades mais distantes me negavam a vaga de trabalho devido ao alto custo com transporte e tempo de locomoção, pois são mais de duas horas de viagem, só de ida, até à capital, Rio de Janeiro. Mas, como havia sido condicionado a encarar “tudo pelo bem do Reino” e como “trabalho para Jeová”, fui trabalhando dando aulas particulares de reforço escolar em casa, levando uma vida simples, sendo pioneiro durante esse período. Não encarava com seriedade empenhar-me mais pela vida profissional, pois achava que o Armagedom estava “logo ali na esquina”, de acordo com o “senso de urgência” sempre enfatizado na literatura jeovista. Embora a “geração de 1914” já houvesse passado, e foi essa crença que fez com que eu perdesse o interesse em crescer e investir na minha carreira profissional, eu ainda acreditava piamente que o fim viria dentro do “nosso século 20”. Felizmente, eu havia conseguido construir uma pequena casa, onde vivo até hoje, com a indenização de minha anterior ocupação profissional. Durante todo esse tempo em que fiquei desempregado posso contar com os dedos de apenas uma mão os irmãos que me ajudaram financeiramente. Não que eu exigisse isso, pois como Paulo nunca quis me tornar “um fardo dispendioso” para alguém, mas com isso comecei a questionar o tal “amor” tão propagandeado na literatura da Torre de Vigia. Em várias circunstâncias presenciei a frieza, descaso e até negligência para com irmãos necessitados não só em minha congregação, mas também em muitas outras. O alto índice de membros com depressão dentro do movimento jeovista atesta o que digo. Dentro dessa cidade para a qual me mudei, em dezembro de 1999, consegui finalmente obter um emprego numa distribuidora de uma grande marca de bebidas no Brasil, e comecei, aos poucos a mudar minha visão sobre a vida. Finalmente recuperei minha vida profissional, embora dentro de outro ramo, na área contábil e também de recursos humanos e felizmente ainda estou a trabalhar com o mesmo empregador até o momento, quase 17 anos, embora há pouco mais de 6 anos agora em outra cidade. Mas, o século 20, por fim, foi ficando para trás, os anos foram passando e nada do Armagedom vir. Isso fez com que me questionasse sobre a seriedade das interpretações proféticas do Corpo Governante. Comecei então, por volta do ano de 2004 a fazer pesquisas nas literaturas mais antigas da Sociedade, disponibilizadas na época por reimpressões dos volumes encadernados de A Sentinela do ano de 1960 em diante e fui lentamente descobrindo uma gigantesca quantidade de falhanços proféticos e trapalhadas cuidadosamente ocultadas pelo Corpo Governante no livro "Proclamadores". A que mais me causou estranheza foi o fiasco de 1975. Eu tinha uma noção disso devido ao fato de que, pouco tempo depois de ter entrado para a organização, irmãos que haviam vivido naquela época contarem que muitos haviam vendido seus bens, achando que o Armagedom vinha naquele ano. Contudo, tais declarações sempre eram filtradas com afirmações do tipo, “mas a luz de Jeová hoje é mais clara” e que “muitos foram impacientes” e que “Jeová os provou” e “lançou fora quem não o estava servindo de maneira correta”. Assim, eu também comecei a achar que a culpa era dos “irmãos que entenderam errado o que o escravo fiel e discreto ensinava”, só que eu não sabia QUEM havia lançado tal acusação. Foi quando li um artigo na revista A Sentinela de 15 de janeiro de 1977 na qual toda a culpa do fracasso da profecia sobre 1975 foi lançada sobre os membros: “Caso alguém tenha ficado desapontado, ...deve agora concentrar-se em reajustar seu ponto de vista, por não ter sido a palavra de Deus que falhou ou o enganou e lhe causou desapontamento, mas, sim, seu próprio entendimento baseado em premissas erradas.” Fiquei estarrecido em ler tal coisa! Daí então, comecei a entender o porquê de os irmãos antigos me haverem dito, como mencionei antes, que a culpa não foi da “Sociedade”, e sim “dos irmãos”! A partir daí, comecei a fazer mais investigações nas literaturas antigas e também pela internet. Embora começasse a ter um quadro mais claro do que o Corpo Governante estava fazendo, ainda assim não queria acreditar. Até que em 2007 ao pesquisar para saber se havia disponível publicações ainda mais antigas da Torre de Vigia, descobri os chamados "Estudantes da Bíblia"! Eu fiquei ainda mais chocado, pois o que eu sabia era que eles “não existiam mais” de acordo com uma informação publicada no Anuário de 1976. Assim que os descobri entrei em contato com vários grupos e recebi literaturas deles que me esclareceram muitas coisas sobre o que realmente ocorreu no grande cisma de 1917. Comecei então a me associar com um desses grupos em julho de 2007, mesmo ainda estando na organização, ajudando na tradução e publicação de literaturas de um pequeno grupo aqui do Brasil que aceitou meu auxílio nesse trabalho. Claro que a pressão interna foi apenas aumentando e após o falecimento de minha querida mãe em dezembro de 2007, parei de ir de vez às reuniões, entreguei o cargo de ancião em meados de 2008 e logo após tomei coragem e comprei e li todo o livro "Crise de Consciência" de Raymond Franz, que me motivou a abandonar de vez a organização da Torre de Vigia como indubitavelmente falsa. E assim, em 1 de abril de 2009, entreguei minha carta de dissociação a um dos anciãos de minha ex-congregação, mesmo sabendo o que iria enfrentar a partir de então: o ostracismo! Hoje, analisando de modo mais claro as coisas, após ter permanecido por 22 anos associado com a Torre de Vigia, achando que havia finalmente encontrado a “única religião verdadeira” e dedicando toda a minha vida, dons e esforços em prol de uma crença que me parecia tão sólida, defendendo-a com “unhas e dentes” com a certeza de que estava agradando a Deus, nos últimos 5 anos de minha associação com tal movimento percebi que, de fato, não era tão sólida assim. Mesmo durante esses últimos anos, quando me deparava com verdadeiras aberrações doutrinárias e trapalhadas proféticas da liderança jeovista, eu dizia a mim mesmo: “Isso não é problema seu, pois Jeová tem o escravo fiel e discreto para resolver tais questões”. Então, imediatamente tentava mudar de pensamento e procurava me manter ocupado com as “obrigações teocráticas”. Mas de nada adiantou tentar sufocar o brilho e a clareza da verdade sobre as descobertas que estava fazendo, e por fim, após ter chegado a uma crise de consciência de grandes proporções, optei por pagar o alto preço a favor da verdade. Após todos esses 22 anos, 15 dos quais como ancião de congregação, orador de grandes congressos e assembleias com assistências de mais de 5.000 pessoas, alguém pode estar a perguntar o que me levou a abandonar tantos anos de associação, amizades e porque não dizer, deixar de lado o “status espiritual” adquirido dentro do movimento? Inclusive escrevi um livro sobre minhas descobertas intitulado “Testemunhas de Jeová – Uma Análise de Sua Legitimidade Profética”, que pode ser adquirido através do site Clube de Autores. Porém, adianto que até 2017 será relançado numa edição ampliada e revista, na qual estou a trabalhar. Gostaria de, por fim, lembrar a todos os que lerem este meu testemunho, de que meu alvo, tanto aqui em meu relato e no livro que escrevi, não é questionar a sinceridade e a fé das pessoas que estão nesse movimento, pois admito que a grande maioria delas é sincera e busca uma relação séria com Deus. Meu objetivo foi e é mostrar que a partir da própria literatura das Testemunhas de Jeová, tanto a base de sustentação teológica, bem como as bases de governança do Corpo Governante e de esta organização ser uma “teocracia”, são ilegítimas, insustentáveis e a história do movimento comprova isso nitidamente. Sim, nada como estudar a história e o passado da organização, para entendermos o porquê do movimento religioso da Torre de Vigia ser o que é hoje e porque são ocultados fatos importantes que, se fossem amplamente divulgados aos membros, levaria a muitos deles a abandonar o grupo assim como se deu comigo. Quanto mais lia e descobria sobre o “pisca-pisca” das “luzes” nas doutrinas da Torre de Vigia, minha decisão de abandonar o movimento foi-se consolidando em minha mente, pois não conseguia conciliar a ideia de agir como hipócrita por continuar a pregar algo da tribuna em que já não acreditava mais. Alguém que esteja lendo este testemunho e seja uma testemunha de Jeová, talvez esteja passando por uma situação semelhante, sentindo-se numa encruzilhada, sem saber o que fazer. Não cabe a mim dizer o que deve ou não ser feito diante de uma crise de consciência. Sempre procurei e procuro me pautar pelo que o apóstolo Paulo disse: “Assim, cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus” (Romanos 14:12, NVI). A decisão e o caminho a ser escolhido, é individual – entre a pessoa e Deus somente. Porém, não posso deixar de dizer o que penso ao refletir nas situações que surgem diante de uma crise – crise essa que eu vivi! Alguns talvez prefiram continuar a apoiar o movimento racionalizando que “no tempo certo Jeová agirá”. Já outros com medo de perderem os laços de amizade dentro do movimento e também de terem que enfrentar o ostracismo imposto pela regra déspota da desassociação, com suas consequências desastrosas no relacionamento com os familiares que permanecem dentro do movimento, preferem fechar os olhos a tudo e continuar na Torre de Vigia, embora saibam, no fundo do coração, que estão agindo como hipócritas. Foi justamente, como já disse, para fugir de tal atitude que tomei a decisão de dissociar-me da Torre de Vigia. Alguns talvez se perguntem, se “há vida fora da Organização”, especialmente aqueles que nasceram dentro do movimento e que só conhecem o “mundo das Testemunhas de Jeová”. Eu também me debatia com tal dúvida, pois, embora não tenha nascido dentro do movimento, o meu “mundo” era totalmente restrito aos meus relacionamentos dentro da Torre de Vigia. Só estabelecia contato “com o mundo exterior” durante o horário de trabalho secular e quando precisava resolver assuntos de ordem prática. Dos outros familiares (tios e primos), que não eram e não são do movimento em sua totalidade, mantive distância nos 22 anos que permaneci na Torre de Vigia, pois me era ensinado que eram “más associações” por não serem Testemunhas de Jeová. O que posso dizer, considerando a minha experiência, é que num primeiro momento, a sensação de “perder o chão” é imediata. Porém, apenas a passagem do tempo é que vai amenizando os aspectos negativos iniciais. Uma coisa que me ajudou muito foi o fato de não ter deixado de acreditar na Palavra de Deus, a Bíblia. A meu ver, é preciso ter o devido cuidado em saber separar as coisas. Quem havia errado comigo não foi Deus, mas pessoas que dizem ser o “canal de comunicação Dele”. Não tinha como eu rejeitar as Escrituras, pois foram elas que abriram os meus olhos para os erros do movimento – e foram elas também que me ajudaram a conhecer a Deus e ao Cristo. Foram elas também que me forneceram a chave necessária para abrir a porta para a estrada da liberdade cristã (veja 2 Coríntios 3:16-18). Embora tenha passado alguns momentos difíceis, nos anos posteriores a minha saída, em que não lia as Escrituras, eu não havia deixado de acreditar nela. Continuava a adquirir e aumentar a minha biblioteca pessoal com obras teológicas e novas versões da Bíblia que iam sendo lançadas e isso me ajudava a não romper o elo com Deus, embora, algumas vezes, preciso admitir que me sentisse meio “enraivado” com Ele. Uma coisa que descobri, com o tempo, é que se deve orar a Deus mesmo que você não esteja com vontade ou tenha feito algo errado. Sim, orar a Deus e dizer: “Pai, estou orando ao Senhor, mas não estou com vontade nenhuma, amém”. Pode até parecer loucura, mas é isso que vai nos ajudando a encarar nossos medos e nossos “monstros” e a enfrentá-los não na nossa própria força e sabedoria, mas pelo poder outorgado pelo Espírito Santo. Meditar nas palavras amorosas do apóstolo João também ajuda muito nessas horas: “Pois, se o nosso coração nos condena, sabemos que Deus é maior do que o nosso coração e conhece tudo” (1 João 3:20, NTLH). Quando se sai de um movimento autoritário e legalista como o da Torre de Vigia, é muito difícil livrar-se do ranço de auto-julgamento e dos sentimentos de culpa e de indignidade perante Deus, pois lá é ensinado que a Bíblia deve ser encarada como um livro de regras a serem cumpridas e que qualquer deslize ou “designação teocrática” não cumprida já era motivo de fazer-nos sentir “um lixo” – e pior – tendo ainda que encarar o olhar de reprovação dos outros. Faço minhas as palavras do escritor Jefferson Bethke: “Como cristãos, nós precisamos parar de distorcer a Bíblia com nossos próprios julgamentos e começar a abrir nossos corações, humilde e piedosamente, para que Deus possa se revelar a nós de maneira profunda.” (Jesus é Maior Que a Religião, p. 29, Ed. Thomas Nelson). Sim, a revelação de Deus para nós, é algo puramente pessoal, através das Escrituras, e não é mediada por qualquer organização e muito menos pela Torre de Vigia que se auto-proclama como o “canal de Deus”, numa posição mediadora. É preciso reconhecer que o único mediador entre Deus e TODOS os seres humanos é Cristo (1 Timóteo 2:5). Entretanto, esse reconhecimento só se dará quando começarmos a entender que precisamos Dele. É como o autor Jefferson Bethke diz muito bem: “É difícil convencer as pessoas de que Jesus é um grande Salvador quando elas não acham que precisam de salvação” (ibidem, p. 71). Algo que faço e creio que me ajuda muito a buscar e reconhecer a presença constante de Deus é ter e manter uma rotina devocional diária envolvendo a oração e a leitura da Bíblia. Logo cedo, pela manhã, orar a Deus é uma excelente maneira de se estabelecer uma conexão com Ele. Mesmo sem vontade, como já disse, ORE. Faça que nem o publicano, sobre o qual Jesus disse: “Ele nem ousava olhar para o céu, mas batendo no peito, dizia: ‘Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador”. Será que Jesus o criticou? Muito pelo contrário: “Eu [Jesus] lhes digo que este homem, e não o outro, foi para casa justificado diante de Deus.’” (Lucas 18:13, 14, NVI) A leitura de um livro de meditações diárias, ou alguma das muitas Lições Bíblicas publicadas por boas editoras cristãs, ajuda muitíssimo a dirigir nossa mente todos os dias para Deus. Gostaria, porém, de fazer um adendo aqui: Não estou recomendando nenhuma em particular, mas já tive a oportunidade de considerar muitas delas e todas têm coisas boas, mesmo que não se adote ou concorde com todas as crenças de quem as distribui. Uma coisa que aprendi é que precisamos nos despir de preconceitos religiosos, achando que “tudo é do diabo”, como ensina a Torre de Vigia. A postura da liderança jeovista, em relação às outras religiões é tão intolerante e equivocada que não enxergam que o conselho que dão aos outros deveria ser aplicado por eles em primeiro lugar, como este sobre a hipocrisia: “Se alguém aponta as falhas dos outros, mas tem falhas piores, está fingindo ser algo que não é ... [A] honestidade é uma característica dos que servem a Deus sem hipocrisia. Eles aprendem a ‘tirar a trave do seu próprio olho’ antes de se oferecer para ‘tirar o cisco do olho do seu irmão’.” (A Sentinela, 01/12/2015, pp. 9, 10) Tal conselho valioso precisa, logicamente, ser praticado por cada um de nós em primeiro lugar, sendo este um bom modo de se livrar do preconceito religioso. A questão aqui não é que nós não devamos ter cuidado com os “falsos profetas”, mas devemos aprender a separar o joio do trigo e não ficar achando que só tem joio. Foi justamente isso que Jesus e Paulo nos ensinaram (v. Mateus 13.24-30, 36-43 e Gálatas 1:8). Igualmente, quando Jesus disse para “não julgarmos” ele não quis dizer que todo julgamento fosse errado, mas estabeleceu qual deveria ser o critério do julgamento: “Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos justos.” (João 7:24, NVI) Claro que tais julgamentos justos precisam estar de acordo com a Palavra de Deus. Assim, é preciso abandonar os critérios de julgamento aprendidos dentro da Torre de Vigia, pois são critérios oriundos de um modo de pensar exclusivista e sectarista, os quais Jesus não aprova. É verdade que leva muito tempo para livrar-se do ranço jeovista e reaprender a pensar por si mesmo, mas as recompensas são muitas. Esteja disposto a colocar em prática o conselho bíblico: “Analisem tudo e guardem apenas o que for bom.” (1 Tessalonicenses 5:21, A Mensagem) Repito aqui uma frase que li há algum tempo atrás: “Quando se sai da Torre, a Torre tem que sair de dentro de você”. Tenho me empenhado muito em praticar em minha vida tal bom conselho. Em relação a uma afiliação religiosa, tenho meu ponto de vista particular sobre essa questão, e no momento estou optando por afiliar-me a um grupo de cristãos que tem uma cosmovisão mais ampla sobre o que significa ser realmente um cristão. Porém, já digo aqui de antemão que não me cabe recomendar esse ou aquele grupo específico, pois a decisão de frequentar ou não uma determinada denominação é uma decisão de foro íntimo, entre a pessoa e Deus, opção essa sagrada e inviolável, pois creio piamente no livre arbítrio. Mas, independentemente da escolha que se faça, deixo aqui um pensamento que adquiri de minha própria experiência, após 7 anos de dissociação da Torre de Vigia: Se você acha que existe ou irá encontrar uma “única religião verdadeira”, esqueça! Admito que é extremamente penoso aceitar o fato de que não há uma “religião perfeita”. Mais penoso ainda, é admitir o fato de que existem cerca de “45 mil denominações cristãs diferentes” (cf. o teólogo Alberto Timm). Como disse o escritor C. S. Lewis, no livro Cristianismo Puro e Simples, cuja leitura recomendo: “Trabalhamos com a realidade como ela é”. Como não se pode fugir da realidade do cristianismo moderno, achei profundamente sábio o seguinte conselho, o qual igualmente me empenho em seguir: "Jesus é a “religião” certa se você está procurando por perdão. (Atos 10:43). Jesus é a “religião” certa se você está procurando por uma relação significativa com Deus. (João 10:10). Deposite a sua fé em Jesus Cristo como seu Salvador – você não vai se arrepender! Confie nele para o perdão dos seus pecados – você não vai se desapontar.”* Ex-Membro das Testemunhas de Jeová, » Marcelo Palominio (Fb)| do Brasil *Extraído do site Got Questions
5 Comments
António Pimentel
6/4/2016 10:04:17
Excelente testemunho irmão Palominio, Parabéns por ter tido a força e a coragem necessária de se libertar da Torre de Vigia , Goze de sua plena Liberdade Cristã. Estou certo que este testemunho é mais um que o Pai está a usar par libertar as pessoas das garras de uma organização diabólica.
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6/4/2016 12:40:58
Muito bom o seu testemunho!! É uma satisfação ver que muitas pessoas, apesar de pressões, conseguem se libertar do legalismo, e focar-se unicamente na pessoa de Jesus Cristo. Abraços!
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7/4/2016 01:45:46
Que bom que continuamos a amar a Jeová acima de todas as coisas...
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Vanessa Alencar Leal
11/4/2016 17:17:22
Deus lhe abençoe amado!
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Simone Carvalho
4/8/2016 18:40:53
Meu irmão! Me senti na sua pele. Foram muitos os desenganos, e penosos até hoje, desde a minha infância. Depois de anos completamente dedicados a organização, me decepcionei de vez. Com meu querido esposo, ancião afastado por causa de doenças, criamos dois filhos, para servir integralmente no serviço. Porém, pra nós, as coisas não saíram como deveriam ser. Meu marido, hoje, além de doenças físicas, sofre com uma depressão brutal, tendo sido até mesmo internado por tal mal. Assim, como eu, que sou uma deprimida de longa data, por tudo que já passei e passo com outros problemas de saúde. Infelizmente, não tivemos tempo, condições ou o privilégio de ter uma casa própria. Assim, moramos de favor por mais de 15 anos. Até sermos expulsos da casinha, que nos cobria. Hoje, lutamos para pagar um aluguel. Meus filhos, não continuaram os estudos, como é orientado, por isso, não conseguem empregos que sejam bons o suficiente para nos ajudar. Meu marido, praticamente impedido de trabalhar... e o que as pessoas dizem??? Bem feito, foi se afastar de Jeová!... O que estes não entendem é que jamais nos afastamos de Deus e ficamos doentes... Mas, nos afastamos por estarmos doentes emocionalmente, psicologicamente. Bem diferente de estamos doentes espiritualmente. Fazemos exatamente o que o irmão diz: Oramos, mesmo sem saber o que dizer, o que pedir, mesmo sem vontade. Sim, a decisão é difícil... mas, venho pedindo ajuda às pessoas em vão. Já não sabemos se daqui há alguns dias teremos onde morar, pois o que comer, Deus, sim, Jeová, nos dá por "cada dia". Choro, quando me lembro dos irmãos do meu passado mais remoto... Havia "Amor", entre eles. Havia "Amor Leal" entre os irmãos. Hoje, dentro da organização o amor tem sigo egoísta, excluindo pessoas que não estão à altura financeira da maioria. Como usamos toda as Escrituras, não podemos nos esquecer, que na nação de Israel, não podia haver pobres, ou pessoas que padeciam por necessidade. Isso, é o que mais me angustia, me decepciona... Temos que ir além de pregar, por um futuro melhor, que certamente virá, mas,precisamos dividir o que temos com os que não tem... agora, no presente. A fome não espera, as dores têm pressa, e as contas não se pagam sozinhas. Não me contento, só com a ajuda espiritual, creio que temos que nos ajudar física e materialmente... E sinceramente, faz anos que não recebo um só telefonema de alguma amiga que trabalhava ombro a ombro comigo. Meu marido, Orador de congressos, Membro de comissões, instrutor da Escola Bíblica para Anciãos, Servo ativo da congregação, deixando todo o resto de lado, assim como você, foi completamente esquecido. Alguns irmãos dizem que não se lembram dele, ou se lembram vagamente... E faz apenas 3 anos, que ele não sobe numa tribuna...Hipocrisia, que eu já não consigo mais aguentar. Continuo e sempre amarei a Jeová, e a Jesus... mas, quero fazer isso, daqui pra frente, a meu modo... realmente imitando-os. Não apenas tendo amor... mas, sendo o Amor. Obrigada pelas suas palavras. No seu testemunho realmente pude sentir a verdade. E me aliviar um pouco. Que Deus nos abençoe nessa nossa busca sincera pelo amor, pela verdade e pela liberdade. Que assim seja!
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