Decorriam os anos 70, época em que as Testemunhas de Jeová viviam esperançosas de que os 6.000 anos da existência do homem (segundo os cálculos da sua organização religiosa), marcassem a chegada do Armagedom ainda durante o ano 1975. O zelo e entusiasmo pela pregação estavam bem altos na comunidade religiosa e com o livro “A Verdade que Conduz à Vida Eterna” em suas mãos, muitas foram as pessoas que passaram a estudar a Bíblia com as Testemunhas de Jeová aliciadas com a eminência do “fim do sistema de coisas de Satanás”. A minha mãe foi uma dessas pessoas. Profundamente crente em Deus e procurando um sentido na vida, já que passava por uma profunda depressão causada por um casamento difícil, as Boas Novas do Reino apresentadas pelas Testemunhas de Jeová vieram preencher esse vazio emocional. Cresci por isso num ambiente dividido em sentido religioso, pois embora minha mãe seguisse dentro do possível a postura e crença religiosa das Testemunhas de Jeová, meu pai nunca aderiu. Visto não ser uma pessoa crente também nunca foi opositor, acreditando que a religião recém-encontrada em nada prejudicaria a família. Graças à minha mãe ser uma pessoa equilibrada na sua forma de viver a religião, eu acabei por estudar com as Testemunhas de Jeová sem ter também a oposição do meu pai. Cresci por isso dentro da vivência religiosa das Testemunhas de Jeová, iniciando desde bem jovem a pregação de porta em porta junto com outras Testemunhas. Mesmo já antes de me batizar como Testemunha de Jeová, identificava-me como Testemunha de Jeová perante os colegas da escola, e posso dizer que o fazia com orgulho, acreditando estar na “verdade”. Isso valeu-me algum escárnio e zombaria, como é normal nestes casos, mas sempre mantive uma posição firme perante a chamada “oposição” e devido à minha postura correta, sempre fui olhado como um exemplo, dentro e fora da escola. Na congregação era também encarado como alguém que levava a sério a religião como forma de vida. Os irmãos viam em mim um futuro “irmão”, coisa que veio a acontecer quando me batizei ainda adolescente. Devido a esta postura, também ainda jovem e na casa dos vinte anos, fui designado servo ministerial. Devido a ser dotado de boa oratória, comecei a ser olhado dentro de poucos anos como um prospetivo ancião. Posso dizer que nunca fui repreendido na congregação ou de ter mau testemunho de outros de alguma forma. Tinha uma “ficha limpa” perante todos, bem como o respeito e carinho dos irmãos da congregação. Pude por isso participar, já servo ministerial, de uma escola especial para jovens solteiros (masculinos) que eram servos ministeriais e anciãos. Chamava-se “Escola de Treinamento Ministerial”, com a duração de dois meses na Filial da Organização em Portugal (Betel). Esta escola era muito considerada na comunidade das Testemunhas, pois preparava homens qualificados para desempenharem papéis interventivos e de relevo nas congregações. Desde a parte mais organizacional da estrutura da religião, aos assuntos doutrinais e profundos das crenças das Testemunhas de Jeová, tudo era analisado e estudado ao pormenor. A participação nessa escola tornou-se uma mais valia no conhecimento organizacional e doutrinal, colocando-me como uma pessoa referenciada pela organização e ao mesmo tempo, sendo olhado com alguma admiração na congregação. Após essa escola e já casado, fui designado ancião congregacional, vindo a desempenhar o cargo de Superintendente de Escola do Ministério Teocrático, escola esta que prepara as Testemunhas de Jeová a se tornarem bons oradores. Desempenhei este cargo durante muitos anos e sentia-me muito bem ao ajudar os irmãos e irmãs na congregação a desenvolverem a capacidade de falar em público e de ler ao máximo de suas capacidades. Mas assim como os anos passam e nós crescemos e amadurecemos, assim também a vida nos leva por caminhos que às vezes jamais sonharíamos trilhar. Mas como diz Paulo, "quando éramos pequeninos, falávamos e pensávamos como pequeninos". E foi este amadurecimento, juntamente com a experiência de anos de vida dentro da 'Organização Testemunhas de Jeová' que me levou a pesquisar e questionar determinados ensinos. Já como ancião congregacional, apercebia-me de que aqueles que deviam ser um exemplo de espiritualidade deixavam às vezes muito a desejar. Não todos claro. Mas muitas das vezes, os que mais exigem dos outros, são os que a nível pessoal menos têm moral para o fazer. Dentro da religião 'TJ', segue-se o ditado «mais vale parecer, do que ser». Depois de ser ancião (e já antes), a minha mente "inquisitiva" procurou sempre entender as nossas doutrinas e estar bem fundamentado, entendendo bem os argumentos para poder ajudar outros. Sempre fui uma pessoa compassiva, não rude e julgadora das intenções dos outros. Após o entendimento, por volta do ano 2000, sobre as fracções, alguma coisa não me "bateu" certo. Percebi alguma incoerência, ao aceitarmos fracções tiradas do sangue, ao mesmo tempo que dizíamos recusar o sangue. Mas como é hábito, as 'TJ' quando têm dúvidas que não são prontamente esclarecidas, deitam para trás das costas até nova oportunidade. Mas o raciocínio por detrás da argumentação da Organização sempre me deixou desconfortável. Principalmente, porque muitos irmãos nas congregações não percebiam bem o que poderiam ou não aceitar. E para mim, como ancião, não conseguir explicar porque aceitávamos umas fracções e ao mesmo tempo recusávamos outras, fazia-me muita confusão. Nem os próprios anciãos sabiam explicar... É claro que tudo isto me levou a procurar explicações e entender melhor a temática do sangue. E quanto mais pesquisei, mais a doutrina me parecia confusa, parcial e incoerente. Este foi o “clic” para perceber que esta organização, por mais bem intencionada que seja, vive numa profunda ilusão. Ilusão esta que é passada de geração em geração. Que ilusão é esta?! É a ilusão que somos «escolhidos por Deus». Esta é a doutrina central da Organização e é daí que parte todo o conceito organizacional. Mesmo que façam e decidam coisas erradas e falsas, Deus a seu tempo corrige porque a Organização tem a benção de Deus e é dirigida por ele. Nada mais ilusório. Podemos ser guiados por Deus até ao ponto em que nos atemos àquilo que a Bíblia ensina de forma explicita. Tudo o que vai para além disso, é especulação e doutrina humana. Foi isso que vim a perceber. Muitas das nossas doutrinas foram construídas na base do "entendimento" que ao longo dos anos foi mudando, ora sim, ora não, ora desta forma, ora da outra. Faz lembrar um barco à deriva que é empurrado, ora para a direita ora para a esquerda, consoante as ondas o guiam. Neste caso, conforme a minha pesquisa, as ondas aqui foram as sucessivas interpretações dos ex-Presidentes da 'Watchtower' que a seu bel-prazer formularam mirabolantes profecias e argumentações doutrinais, estando algumas de acordo com as Escrituras e outras em total dissonância com estas. É claro que para alguém que se esforça em viver numa religião que exige tanto da pessoa, como é a nossa religião, torna-se desgastante e mentalmente frustrante quando se apercebe e deixa de acreditar nela como o "único canal de Deus na terra". Como poderia eu continuar a ensinar da tribuna coisas nas quais eu não via base bíblica? Coisas tais como: – Apenas 144.000 estarão no céu com Cristo; – Apenas os do restante ungido podem comer do pão e do vinho; – Jesus é apenas mediador dos ungidos; – As transfusões de sangue são um pecado capital aos olhos de Deus; – A grande multidão é uma classe terrestre, etc. Como ancião eu teria que vez após vez ensinar e defender tais coisas. Assim que pude, abdiquei e creio que foi o mais sensato. Não acredito naqueles que pensam mudar alguma coisa na Organização, mesmo não acreditando nestas coisas e por isso, permanecem nela como anciãos. Para além de ser frustrante, vai cobrar o seu tributo a nível de paz mental e alegria de viver. Já li os livros de Raymond Franz, "Crise de Consciência" e "Em Busca da Liberdade Cristã", (bem como muitos outros) e estou profundamente grato a este homem por me ter ajudado a perceber melhor a história da Organização e a forma como está estruturada. Ajudou-me também a ver que as suas fundações são movediças e seus ensinos são baseados e controlados por homens que levam em conta, acima de tudo, o conceito de ORGANIZAÇÃO. O resultado na vida dos irmãos é algo que não é de maior importância. Na realidade, podem ser considerados "danos colaterais". O meu desejo é ajudar aqueles que ainda lá estão a ver a verdade sobre a "VERDADE". Não sou uma pessoa rancorosa e entendo que muitas das pessoas que entram para a Organização são levadas e motivadas pelo seu amor a Deus. Amor este que com o tempo é direcionado para a "sua Organização", esta representação idólatra, a quem as 'TJ' prestam lealdade. É esta Organização que direciona suas vidas no mínimo detalhe, quer a nível doutrinal, quer pessoal. Por não usarem a sua consciência de forma livre e individual, mantêm-se cativas a normas organizacionais que as subjugam e levam-nas a darem sempre mais de si, num esforço ininterrupto e constante. Não é por menos que dentro da religião, os casos de depressão e doenças do foro psicológico são muitas. De modo a ajudar as pessoas a perceber todas estas incoerências, criei em 2006, um blogue usando o nickname de TJ Curioso (que já usava também em fóruns de ex-TJ), para questionar a doutrina do sangue, bem como outros aspetos da religião que considerava errados: http://questaodosangue.blogspot.pt/ Tive também a oportunidade, como membro do fórum de ex-Testemunhas de Jeová de Portugal, de participar no artigo da revista Sábado, onde fui um dos entrevistados na qualidade de ex-ancião e de ter colaborado com a jornalista Isabel Lacerda com toda a informação necessária sobre a religião das Testemunhas de Jeová. O mesmo ocorreu recentemente com a jornalista Ana Leal (TVI), onde pude dar o meu testemunho junto com outras Testemunhas e ex-Testemunhas de Jeová, naquela que foi a reportagem mais vista de sempre da TVI (mais de 2 milhões de pessoas a viram em direto). Após a reportagem e devido às ondas de choque criadas na comunidade TJ e na sociedade secular, colaborei também no livro "Quem é? – Abra a Porta ao Mundo Secreto das Testemunhas de Jeová e descubra o que elas não lhe dizem", da autora Maria Helena Costa e onde alguns artigos escritos por mim foram por ela inseridos no livro, incluindo o texto da contra-capa. Fiz também a revisão do mesmo, de modo a que fosse o mais exato possível na análise às doutrinas e procedimentos organizacionais da Torre de Vigia. Participei também na reportagem do jornal Observador, onde a jornalista Tânia Pereirinha investigou a fundo o mundo das Testemunhas de Jeová, focando o seu artigo no drama vivido por ex-Testemunhas de Jeová com respeito ao ostracismo praticado pela seita. A minha entrevista centrou-se na minha experiência enquanto ancião congregacional. Já depois de ter tido a minha Comissão Judicativa, onde me dissociei formalmente, fui entrevistado no programa "Queridas Manhãs", um programa de grande audiência na SIC, na televisão portuguesa, onde foi debatido o assunto das transfusões de sangue (ver aqui). Cada vez mais as Testemunhas de Jeová estão a aperceber-se das fragilidades doutrinais, manipulação e profundo engano dentro da Organização Torre de Vigia. Muitas desejariam sair, mas o medo que sentem devido à ostracização que sofrem aqueles que abandonam a religião as fazem permanecer quais reféns. Afinal, perder toda a estrutura social e até mesmo familiar, é algo a ter em conta. Mas é fácil perceber que cada vez mais, as pessoas começam a perder o medo de pesquisar e investigar a sua religião e acredito que a médio ou longo prazo, a religião irá sofrer seriamente com isso. Em resumo, posso dizer que acredito que nenhuma religião tem a verdade absoluta. Como diz Paulo, "vemos por meio de um espelho distorcido" e a verdade completa só será revelada na vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo. A Ele seja dada toda a glória e reconhecimento, nos céus, assim também na terra, para a Glória de Seu Pai. Amém! Ex-Membro das Testemunhas de Jeová, » António Madaleno | de Portugal (Lisboa) Leia aqui a minha carta de dissociação: http://www.desperta.net/testemunhos/carta-de-dissociacao-de-carlos-fernandes Leia aqui a história da minha Comissão Judicativa e ouça o áudio: http://www.desperta.net/testemunhos/comissao-judicativa-de-antonio-madaleno-aka-carlos-fernandes *Uso o pseudónimo Carlos Fernandes enquanto ativista contra seitas destrutivas e escritor dos artigos da Desperta.
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Testemunhos,Aqui você terá acesso a testemunhos de vários irmãos em Jesus, filhos do Senhor Jeová Deus, os quais têm vindo a libertar-se da religião... Categorias,
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