Prelúdio Nasci numa pequena aldeia do litoral centro de Portugal. Portador de um síndroma raro e de nome estranho (para uma época em que ainda grassava a iletracia: Prune belly: “ameixa seca” em português), cedo na infância fui levado a internamentos sucessivos em hospitais. Com pouco mais de um ano fui submetido a 3 cirurgias, uma delas para remoção do rim direito. Estando internado duma só vez, 2 anos seguidos. O meu pai doou do seu sangue para que eu pudesse viver. Na verdade, a minha infância foi complicada. Sempre me senti um pouco à parte, diferente do mundo à minha volta e com muitas restrições a todos os níveis. Não podia fazer quase nada, do que todos os outros da minha idade faziam! (esta sensação é lhe familiar?...) De Estudante a Batizado Num dia de Outubro de 1989, quando as aulas tinham terminado, deslocava-me em passos apressados para não perder a hora do autocarro, duas senhoras de idade dirigiram-se a mim.Uma delas falava de algo que sempre me intrigou: como teria começado a vida? Apresentou-me um livro chamado “A vida qual a sua origem: evolução ou criação?”. Falamos por cerca de 15 min, e acabei por dar-lhe a minha morada, para ela passar no fim-de-semana seguinte. É que naquele tempo, havia um preço (que sinceramente não recordo) para o livro, e eu como jovem estudante não tinha dinheiro comigo. No sábado seguinte, a senhora não falhou. Apareceu em minha casa, desta vez acompanhada por um jovem. Mais tarde, nesse mesmo dia, soube que esta senhora dos seus 60 e muitos anos não sabia ler; o que provocou uma enorme impressão em mim: “como é que uma senhora idosa que não sabe ler, consegue apresentar-me um livro e entabular uma conversa fluente com um jovem como eu?”. E assim iniciei um estudo bíblico com o jovem Testemunha de Jeová. A princípio sempre acompanhado com ela. Mas com o passar do tempo, com outros. Recordo-me como ficava feliz com o que aprendia e como pensava que esse estilo de vida cristão que estava a assimilar, afinal era muito igual ao que vivia desde a minha infância. Bem, daí a começar a assistir às reuniões foi um passo. No entanto continuava relutante em participar no serviço de campo. Não entendia porque era necessário fazê-lo, para seguir o modo de vida cristão. Mas a pressão psicológica permanente, levou-me tornar-me publicador. Entretanto a minha mãe também iniciou um estudo bíblico e com o tempo também se tornou publicadora. O tempo fluía, e confesso que em muitos aspectos (leia-se: “doutrinas”) tinha algumas duvidas. No entanto aquele sentimento de pertencer a uma grupo de pessoas que seguiam a Jesus e que me tratava tão bem, fez-me avançar. Acreditava genuinamente que Deus estava com as Testemunhas de Jeová. Em 1992 decidi avançar para o batismo. Naquele ano o congresso de distrito até se realizava na nossa cidade. Que melhor altura para dedicar a minha vida a Deus! Acontece que no inicio desse ano tinha iniciado um trabalho numa radio local e era animador (locutor). Certa noite, a 2 semanas do congresso, o superintendente presidente (como era designado na altura) ligou-me: queriam falar comigo urgentemente. Na noite seguinte, reuni-me com 2 anciãos: tinham tomado conhecimento que eu trabalhava numa rádio local, actividade que consideravam inapropriada. Ou eu saía imediatamente ou o batismo teria de ficar adiado. Foi uma das decisões mais difíceis da minha vida, porque não entendia porque esse trabalho poderia desagradar a Jeová. Chorei muito literalmente (hoje parece-me ridículo, mas na altura gostava muito do que fazia), ainda assim tomei a decisão de me encontrar com os meu chefe e lhe dizer que tinha de abandonar imediatamente. Ainda hoje recordo ele a perguntar “mas, porquê? És um jovem tão promissor”. E eu a virar as costas: não podia dizer-lhe a verdade, ele não ia entender. Foi a minha primeira grande desilusão com as Testemunhas de Jeová: como era possível “obrigarem-me” a isto, para poder fazer a vontade de Deus. Será que Deus realmente condenava a profissão de animador? Enfim, fui batizado uma semana depois e a vida seguiu o seu curso. Em Setembro desse ano, recém batizado mais um “contratempo”: tinha concorrido à universidade e entrei. Só que ficava a 200Km de casa. A Universidade Mais uma reunião para mostrar-me como era impróprio um cristão cursar a universidade. Só que desta vez, disse-lhes que estava decidido em família que iria mesmo para a Universidade. No principio de Outubro de 1992, mudei-me para a cidade que seria minha casa nos próximos 11 anos. Num tempo em que não havia telemóvel e a internet era um conto de ficção cientifica, fiquei mais uma vez sozinho agora com 18 anos. Inicialmente andava a pé por 3km para me dirigir ao salão do reino. Os estudantes universitários eram vistos como espiritualmente fracos, pelos irmãos. No entanto fui muito bem acolhido nesta congregação. Dirigi-me ao superintendente presidente, que também era pioneiro especial, e este recebeu-me muito bem, fornecendo-me muita ajuda. Em poucos meses e com muito incentivo dele, tornei-me pioneiro regular. Foi um tempo muito recompensador: aprendi muito, conheci pessoas incríveis e histórias ainda mais incríveis. No Outono de 1993 fui designado servo ministerial e logo de seguida dirigente de grupo de estudo do livro. Eu amava muito a Jeová e achava que aquilo era a vida que sempre desejei. Foi uma altura feliz. Porém, uma dedicação tal, teve custos nos estudos seculares. Muitas cadeiras ficavam para trás e para complicar desenvolvi um sentimento romântico por uma jovem da congregação que também se tinha tornado pioneira regular. Em Setembro de 1994 começamos a namorar. Sem emprego fixo e ainda a estudar, os ancião vieram falar comigo. Na altura, jovem ainda, reconheço hoje que teriam alguma razão. Os anciãos entenderam “não aprovar o namoro, porque eu ainda não tinha trabalho fixo, e ainda faltava para acabar o curso; significando que o namoro se iria estender no tempo”. Eu retorqui, que aprovando ou não iria continuar o namoro. A partir desse dia, as coisas mudaram. Retiraram-me vários “privilégios” e o relacionamento que tinham comigo, arrefeceu bruscamente. Com uma enorme pressão psicológica sobre mim, e sobre os poucos irmãos que apoiavam o namoro, resolvi apressar o casamento. Mesmo com todas as condicionantes, casei em Julho de 1995. A pressão aliviou. Agora casado, cogitavamos os 2 tornarmo-nos pioneiros especiais. Mera ilusão... Casamento No inicio tudo ia bem. Os 2 pioneiros regulares, tínhamos uma vida cristã pela frente! Em Julho de 1996, uma noite, a minha esposa vem ter comigo, chorando e confessando que não me merecia, porque me tinha enganado com um amigo nosso. Dizia que nunca me tinha traído mas que chegaram a beijar-se e que estava muito arrependida. Perdoei-lhe como achava que era correto. Porém os anciãos vieram a tomar conhecimento do ocorrido (mais tarde soube que através desse suposto amigo, por vingança) e os meus problemas recomeçaram. Um assunto desta seriedade teria de ser levado aos anciãos e eu não levei. Achava para mim, que estando o assunto resolvido entre mim e a minha esposa, ninguém mais tinha de saber. Tal atitude, custou-me a remoção do cargo de servo ministerial e deixar de ser pioneiro regular. Mais uma vez não entendia, se a minha esposa me garantia que não tinha acontecido mais nada além de um beijo, porque razão a tinha de entregar aos anciãos. Foi um período complicado o que se seguiu. Ainda assim, continuei a amar a Deus, ainda que não entendesse plenamente os homens. Em 1997 por altura da comemoração foi aceite a minha petição para servir como pioneiro auxiliar em base regular. Com o tempo, em 1998 eu e minha esposa voltamos a servir como pioneiros regulares. Entretanto também voltei a ser designado servo ministerial. Frequentamos os 2 a escola de pioneiros, durante 2 semanas. Foi uma época de aparente recuperação. Em 2001 decidi voltar à minha terra natal. Para tal, junto com os meus pais, a troco de um terreno nosso de construção, solicitamos uma casa (das várias que seriam construídas no mesmo). A casa ficaria pronta em final de 2003. Porém, 3 meses antes de mudarmos, a minha esposa envolveu-se com um colega de trabalho. Desta vez só tomei conhecimento, já em plena comissão judicativa. Dado o histórico que tinha nesta matéria, os anciãos trataram-me sempre com desconfiança e nalguns pontos com pouca consideração. Naquela altura entendi que não podia continuar a servir numa organização, que se preocupava mais com a aparência do que com o relacionamento pessoal de cada um com Deus. Divórcio Com base no sucedido, e com apoio “bíblico”, divorciei-me, exatamente na altura que mudava de cidade. Este fato simplificou muito, sem dúvida, o meu afastamento. A inicio custou-me, por causa da minha mãe. Não porque ela me pressionasse, mas ao contrário não desejava ser a razão do afastamento dela também. O que acabou por acontecer efetivamente. Em 2004, conheci outra mulher e acabamos por viver os 2 em união de facto. Em 2007 os ancião tomaram conhecimento, e mais uma vez lá estava eu. Porém desta vez, não cedi. Outra vez a mesma conversa: um prazo, desta feita, para me casar legalmente. Porém, transmiti-lhes que não considerava que estivesse em pecado, uma vez que era fiel à minha “esposa”, legalmente temos IRS em comum como “César” exige e reconhece. Portanto em consciência, entendi que não deveria obedecer. Foi marcada uma comissão judicativa, para a qual avisei que não compareceria. Ligaram-me posteriormente, comunicando que “foi decidido” desassociar-me. Volvidos 12 anos, continuo com a minha “esposa”, unidos de facto e desassociado das Testemunhas de Jeová. A Moral A minha vida como Testemunha de Jeová, foi cheia de altos e baixos. Mas no final, olhando para trás mudaria muita coisa. Na verdade a minha vida só foi possível, porque em bebé o meu pai doou do seu sangue para que eu pudesse viver. E se o meu pai fosse Testemunha de Jeová? Bem, nesse caso a minha vida não tinha existido e hoje você não estaria a ler estas linhas. Nesse caso, nunca teria tido e vivido os “privilégios que Jeová me concedeu”. E qual seria a diferença se a transfusão de sangue fosse em bebé ou quando eu era Testemunha de Jeová? Talvez diga: “conhecimento!”, “agora sabe que é errado”. Será mesmo errado? (Mateus 12: 10-12) Será o valor da vida inferior para Jeová, em favor de uma regra instituída por homens, sobre algo que não existia no tempo de Jesus e sobre o qual, portanto, ele não poderia falar objetivamente? Independente da sua resposta, Jeová permitiu que eu vivesse. Nunca senti que ele me abandonou, ao contrário dos “irmãos da congregação”, que me viram as costas, sempre que passam por mim. Talvez esteja errado em pensar, que ao estar unido de facto e sendo reconhecido legalmente por “César”, não estou a pecar. De qualquer forma, é somente a Jeová que terei de prestar contas um dia e só ele tem o poder de me julgar a mim e a si. Se há algo que aprendi na minha curta vida, é que o que realmente importa é cultivar uma excelente relação com Deus. Nos dias de Jesus havia uma organização judaica instituída com a qual Ele nunca se identificou, e até censurava abertamente. Assim, qualquer organização que hoje se auto-intitule “organização de Deus”, está numa posição similar para nós. Pense: porque Deus permite que existam tantas culturas e correntes religiosas? Serão todas condenáveis e só uma escolhida? Será que entre tantos biliões de seres humanos, não haverão muitos que fazem o que é correto aos olhos de Deus, independente da sua cultura? Certa vez, lá no primeiro século, em resposta à sua oração a Deus, um gentio de nome Cornélio, ouviu de Pedro o seguinte: “Na verdade reconheço que Deus não faz acepção de pessoas; mas que lhe é aceitável aquele que, em qualquer nação, o teme e pratica o que é justo” (Atos 10:34,35 tradução JFA) Só Deus sabe quem é merecedor ou não. Não deixe que outros, organização ou individualmente, controlem as suas decisões sobre matérias que somente a Deus dizem respeito. Daniel Ferreira
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Testemunhos,Aqui você terá acesso a testemunhos de vários irmãos em Jesus, filhos do Senhor Jeová Deus, os quais têm vindo a libertar-se da religião... Categorias,
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