Por muitos anos, críticos das Testemunhas de Jeová vêm dizendo que a prática de desassociação e ostracismo da religião é uma espécie de “bullying”. Muitas vezes, a organização religiosa age legalmente de forma agressiva contra aqueles que expressam críticas às suas doutrinas. Uma derrota recente em um processo movido pela própria organização no Tribunal Distrital de Zurique, na Suíça, efetivada agora porque a organização decidiu não continuar com o processo – ao contrário de sua intenção original – provavelmente terá efeitos além da Suíça. Comportamento Desumano O processo envolveu um comunicado de imprensa de um escritório de proteção aos direitos humanos de Zurique, chamado Infosekta, feito em 2015, e uma entrevista em que psicóloga Regina Spiess, ex-funcionária da Infosekta, deu ao jornal “Tages-Anzeiger“. Spiess criticou fortemente as Testemunhas de Jeová e as descreveu como um “grupo altamente problemático”, com comportamento desumano. A Organização então processou Spiess, que é especialista em seitas, por calúnia. Mas o tiro saiu pela culatra: o tribunal absolveu Spiess – e certificou oficialmente que ela havia dito a verdade e foi capaz de substanciar suas alegações. “Pelo que sabemos, o julgamento é único em todo o mundo“, enfatiza Spiess. Ela agora trabalha para a associação JZ Help, que ajuda de ex-testemunhas e familiares na Alemanha. O juiz de Zurique dedicou atenção especial às declarações da psicóloga sobre a desassociação e o ostracismo (evitar, deixar de falar com alguém, excluir totalmente do convívio) dos ex-membros das Testemunhas de Jeová. Segundo Spiess, este instrumento viola os direitos humanos e a constituição. Em uma entrevista em 2015 ela disse: “Todo mundo tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião – direito que as Testemunhas de Jeová reivindicam para si mesmas, mas não concedem a seus membros.” Para as Testemunhas de Jeová, a lealdade à sua Organização está acima dos laços familiares. Isso é mostrado em um vídeo educacional em seu site que trata sobre o desespero de uma mãe e de um pai cujo filho crescido deu as costas à comunidade. Os pais então passam a se recusar a entrar em contato com o filho por anos. A mãe diz: “Se ficássemos no caminho das medidas educacionais que Levi precisa, na verdade impediríamos que o amor de Jeová chegasse a Levi. Nossa lealdade a Jeová, por outro lado, poderia salvar sua vida.” Em linguagem clara: a proibição de contato visa forçar o filho a retornar à comunidade religiosa e, assim, encontrar o caminho de volta à felicidade. Porque, para eles, a salvação só pode existir como Testemunha de Jeová. Ruptura com a família Christian Rossi, cientista da religião e ex Testemunha de Jeová que trabalha hoje como consultor da Infosekta lidera o único grupo de auto-ajuda para ex-Testemunhas de Jeová na Suíça. Como vítima do ostracismo e cientista religioso, ele também pesquisa o fenômeno do ostracismo. “É uma forma de coerção tácita“, diz ele. “Quase não existem amizades incondicionais entre as Testemunhas de Jeová, pois sempre existe o perigo de ostracismo.” Ele afirma que, para ele, foi relativamente fácil ser ostracizado porque ele foi o único em sua família a se tornar Testemunhas de Jeová e, portanto, “apenas” perdeu amigos quando saiu. Em muitos casos, porém, ele observou o quão dolorosa foi a quebra dos laços familiares para outras ex-Testemunhas de Jeová. O juiz de Zurique viu o mesmo na prática da desassociação. O julgamento pioneiro diz que a prática está suficientemente documentada por centenas de relatos de pessoas afetadas. “A prática é muito difícil de suportar para as pessoas afetadas e pode ter sérias conseqüências (especialmente para vítimas de abuso sexual que precisam escolher se querem permanecer na organização aceitando sempre precisar ver o agressor ou perder todo o ambiente social)“. O tribunal conclui que esse comportamento pode certamente ser entendido como uma violação da integridade pessoal de alguém. As Testemunhas de Jeová afirmam que os membros que não praticam mais a doutrina não são ostracizados. Isso é verdade, diz Spiess. “Mas apenas se eles não falarem a respeito de não crer na doutrina ou não cometerem um “pecado”, como sexo antes do casamento, fumar, aceitar uma transfusão de sangue, comemorar aniversários ou participar de eleições e votações“. O ostracismo familiar é particularmente problemático quando atinge crianças ou adolescentes batizados. Até a maioridade, os pais não devem colocar seus filhos “pecadores” nas ruas. Mas a privação do amor é considerada uma punição normal para crianças, sustenta o tribunal. Medo do Armagedom O ostracismo de ex-membros menores de idade pela comunidade é um escândalo que não pode ser tolerado em uma sociedade esclarecida, apesar da liberdade religiosa, enfatiza o pesquisador Rossi. Segundo o juiz de Zurique, a privação do amor não é a única coisa que pode causar medo nas crianças. Mas também a “mensagem central das Testemunhas de Jeová, com a qual todos os membros, incluindo crianças, são confrontados por várias horas todos os dias”. É sobre o fim do mundo que se aproxima no Armagedom, uma grande e sangrenta batalha final na qual todos os incrédulos serão destruídos. As declarações do tribunal de Zurique sobre política religiosa são politicamente explosivas na Alemanha e na Áustria. Ao contrário da Suíça, as Testemunhas de Jeová são oficialmente reconhecidas nesses países como uma corporação pública (Körperschaft des öffentlichen Rechts) ou como uma comunidade religiosa. Na Alemanha, o estado da Renânia do Norte-Vestfália foi o último estado federal a dar esse passo em 2017, o que significa que a comunidade tem os mesmos direitos em toda a República Federal que as igrejas católica e protestante. Os opositores a esse reconhecimento argumentaram, sem sucesso, que as Testemunhas de Jeová dificilmente poderiam ser consideradas constitucionais e, portanto, não atenderiam aos requisitos do selo de aprovação do Estado. Regina Spiess e seus colegas esperam que a decisão de Zurique leve o debate novamente à Alemanha. Porque o veredicto deixou claro que “a liberdade de crença e consciência é prejudicada pela prática do ostracismo, bem como o direito humano e fundamental à integridade psicológica“. A obrigação de romper o contato destrói os relacionamentos familiares, bem como os relacionamentos entre cônjuges – e isso é um grande problema para o Estado Alemão. Problemas em lidar com abuso sexual Regina Spiess acredita que a chamada “regra das duas testemunhas” também depõe contra a manutenção do reconhecimento estatal. Em uma entrevista em 2015, ela apontou que a suspeita de um crime sexual contra uma criança entre as Testemunhas de Jeová só é investigada se houver pelo menos duas testemunhas, o que obviamente nunca acontece. “Se não existem duas testemunhas, os anciãos devem colocar o assunto nas mãos de Jeová, portanto, não fazem nada a respeito. A vítima deve permanecer calada. Caso contrário, ela ou sua família podem sofrer exclusão.” Segundo o tribunal de Zurique, essas declarações também correspondem a “pelo menos o conteúdo principal da verdade”. Quando perguntadas pelo NZZ por que eles não contestaram a decisão, as Testemunhas de Jeová na Suíça escreveram: “Depois que o promotor público não demonstrou interesse em continuar o caso, também chegamos à conclusão de que o esforço necessário para continuar o processo não parecia adequado.” Mas isso não significa que a comunidade reconheça as declarações de Regina Spiess como verdadeiras. As Testemunhas de Jeová continuam a considerar suas declarações como “difamatórias”. Posição das Testemunhas de Jeová As Testemunhas criticaram fortemente o juiz de Zurique. Ele não considerou necessário obter provas materiais para nenhuma das afirmações de Spiess. “As decisões dos juízes de países como a Alemanha e a Áustria e até o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em que as mesmas questões de fato e legais foram examinadas em detalhes, foram sucintamente rejeitadas“. Segundo elas, as deficiências do julgamento são tão óbvias que ninguém que lida seriamente com as Testemunhas de Jeová vê isso como uma “avaliação útil da vida e obra de nossa comunidade religiosa”. Prova da verdade A Dra. Regina Spiess, entretanto, é especialista em cultos, e, conforme comunicado feito a imprensa em conjunto com a Infosekta, conseguiu provar a verdade de seus principais argumentos (Prova da verdade no conceito jurídico suíço) e suas explicações foram reconhecidas pelo tribunal como “conhecidas pelo tribunal” (“Gerichtsnotorisch” – conhecido pelo tribunal por causa de processos anteriores) nos seguintes pontos chave:
Christian Rossi está satisfeito com as palavras claras do juiz de Zurique. A ex-Testemunha diz que foi muito difícil para ele deixar a comunidade religiosa. Afinal, ela moldou sua visão de mundo por mais de vinte anos. “Mas, em algum momento, notei não apenas que estava me afastando cada vez mais da minha família, mas também que as Testemunhas de Jeová estavam me manipulando.” Em 1997, ele finalmente renunciou à comunidade. A mudança inicialmente custou a ele todos os seus amigos – mas também lhe trouxe liberdade. Por que esse julgamento é importante Até agora, a Suíça tolerou diretrizes religiosas que colocam em risco a integridade psicológica e física de crianças e adultos na comunidade das Testemunhas de Jeová. Em resposta a esse julgamento, os políticos suíços serão chamados a tomar medidas para revisar a legislação e decidir que medidas políticas tomar. A Alemanha e a Áustria agora precisam explicar por que eles, como estados, aprovam diretrizes religiosas que 1. silenciam crianças e mulheres afetadas por violência sexual, 2. exorta os pais a ostracizarem seus filhos menores de idade e 3. abandonar pessoas cujas vidas estão em perigo. O julgamento também deixa claro que as Testemunhas de Jeová obviamente não disseram ao Estado a verdade durante o processo de inscrição para se tornarem uma empresa pública (Körperschaft des öffentlichen Rechts), porque o ostracismo também afeta a família nuclear, incluindo pais, filhos, irmãos e relacionamentos de casal. O ostracismo separa as famílias e, na Alemanha e na Áustria, está acontecendo com a aprovação do Estado. Esse julgamento também é importante porque a denominação tenta intimidar especialistas em cultos, jornalistas e ativistas com ações legais em todo o mundo. Fontes: Neue Zürcher Zeitung e JZ Help/InfoSekta Artigo original: https://noticias.estudojw.org/violacao-de-direitos-humanos-ameca-reconhecimento-das-testemunhas-jeova/
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