Tendo em conta que o primeiro capítulo do meu livro está sendo publicado online no jornal Observador como pré-edição e exclusivo para assinantes (ver aqui), partilho com os leitores da página DESPERTA! esse mesmo capítulo de modo totalmente gratuito.
________________ “Olá! Chamo-me António Madaleno e sou Testemunha de Jeová. É com muito prazer que falo consigo para lhe transmitir uma mensagem bíblica de esperança em relação ao futuro!” Esta seria uma das possíveis mensagens que passaria, como Testemunha de Jeová, caso lhe batesse à porta. Provavelmente iria franzir o sobrolho, balbuciar algumas palavras, dizendo algo do género: “Não estou interessado”, “não tenho tempo” ou “já tenho a minha religião”. Eu iria simpaticamente agradecer, e a porta fechar-se-ia. No entanto, já não sendo uma Testemunha de Jeová, essa possibilidade deixou de existir. Agora, como ex-Testemunha de Jeová e activista na exposição de seitas destrutivas, estou aqui para lhe contar a minha história de vida e aquilo que me levou a abandonar esta religião, que considero um grupo religioso de alto controlo. Espero que ao ler a minha história de vida possa entender as razões que levam muitos indivíduos a entrar neste tipo de grupos sectários, bem como o que motiva pessoas como eu, dedicadas a eles por décadas, a abandoná-los. Primeiro contacto Foi num dia de Outono do ano de 1973 que vi os primeiros raios de sol em Lisboa. Nasci no seio de uma família vinda do Alentejo, e, nessa época, muitos portugueses do interior rumavam à capital para procurarem emprego e melhores condições para a sua família. Não foi diferente com os meus pais. Depois de cumprir o serviço militar, o meu pai acabou por arranjar emprego na construção civil. A minha mãe conseguiu ser contratada para a antiga Fábrica de Braço de Prata, graças à qual teve a oportunidade de fazer o meu parto numa clínica privada em Lisboa. O meu pai, ex-combatente da Guerra Colonial na Guiné, como qualquer militar que assistiu aos horrores da guerra, veio profundamente afectado por aquilo a que assistiu e pelo modo como teve de agir. Não há homem que combata numa guerra e não fique assim. Ainda hoje, passados tantos anos, tem dificuldade em falar do assunto. Sem qualquer apoio emocional e psicológico, teve de suportar sozinho o stresse pós-traumático, tão característico de quem passa por essa situação. Lembro-me de contar que, depois de regressar a Lisboa, vindo da guerra, chegou a atirar-se para o chão por simplesmente ouvir o barulho daquilo que lhe parecia ser uma explosão. Afinal, era apenas um estouro originado por um tubo de escape. Os meus pais conheceram-se pouco tempo depois de ele voltar do Ultramar, e, depois de um ano de casamento, fui concebido. A vida naquele tempo não era fácil. Os ordenados baixos e o elevado custo de vida, algo que não é estranho ao português ainda hoje, não permitiam ter uma vida desafogada. Aliados a isso, os traumas do meu pai em relação à guerra levavam a um ambiente tenso no lar, que a minha mãe tinha de gerir com muito tacto. Para agravar a tensão familiar, nasci com um problema grave de saúde renal que me ia custando a vida. Uma hidronefrose bilateral congénita que me provocou sérias infecções nos rins. Acabei por ficar internado de urgência logo após o nascimento, e, segundo os médicos, seria necessária uma intervenção cirúrgica que poderia ser fatal. É preciso lembrar que naquele tempo a tecnologia não estava tão avançada, e os médicos não tinham a certeza de onde residia o problema. Avisaram os meus pais de que a operação era absolutamente necessária, mas que poderia não sobreviver. Ficaram entre a espada e a parede. Tinha apenas dois meses e meio quando fui operado no Hospital da Estefânia, mas não sem antes terem chamado um padre, que me baptizou, pois, segundo a crença católica na época, um bebé que não fosse baptizado e morresse não poderia entrar no céu. É fácil imaginar a angústia dos meus pais ao verem o seu bebé na iminência de morrer. Felizmente, a equipa de médicos que me operou foi bem-sucedida. Apesar de ter ficado com algumas cicatrizes e de ter perdido a função de um dos rins, conseguiram salvar-me a vida. A minha situação clínica foi a primeira de que há registo em Portugal na época, num recém-nascido, segundo vim a saber mais tarde. O mais irónico foi que recebi várias transfusões de sangue durante a operação. Quem diria que mais tarde iria pertencer a uma organização religiosa que condena as transfusões e que certamente poderia, na época, ter sido responsável pela minha morte, caso os meus pais pertencessem a ela! Certamente que tudo isto teve um impacto familiar negativo, pois, a juntar às dificuldades pelas quais o meu pai passava, como consequência da guerra, havia agora o meu problema de saúde, que requeria certos cuidados e vigilância. Talvez por isso a minha mãe estivesse profundamente abalada e deprimida, chegando a ter pensamentos suicidas. E foi exactamente neste período problemático que surgiram as Testemunhas de Jeová na nossa vida. Estávamos em 1974, uma época conturbada e agitada da vida social e política portuguesa. Nesta época, as Testemunhas de Jeová em Portugal viviam já num clima de relativa tranquilidade, ao contrário de anos anteriores, em que o regime político procurou a todo o custo eliminar este movimento religioso do país, perseguindo e prendendo os seus membros, com o apoio da Igreja Católica. Afinal, Portugal era um país católico, onde o lema ” Deus, Pátria, Família” era a trilogia da educação nacional do chamado Estado Novo. Era também uma altura de expectativa para os membros desta comunidade religiosa. Em anos anteriores, diversas matérias produzidas pela Sociedade Torre de Vigia vinham criando a ideia de que seria expectável que algo sucedesse durante o ano de 1975, a saber, a vinda do “grande e atemorizante Dia de Jeová” — o Armagedão! Através de especulação e interpretações muito particulares, (algo nada invulgar na História da Torre de Vigia), foram calculados os anos passados desde a criação do homem Adão. Mas que importância teria isso? No livro “Vida Eterna — Na Liberdade dos Filhos de Deus”, publicado em 1966, constava o seguinte nas páginas 26-30 (negrito acrescentado): ”…Neste século vinte, realizou-se um estudo independente que não acompanha cegamente certos cálculos cronológicos tradicionais da cristandade, e a tabela de tempo publicada, resultante deste estudo independente, fornece a data da criação do homem como sendo 4026 A.E.C. Segundo esta cronologia bíblica fidedigna, os seis mil anos desde a criação do homem terminarão em 1975 e o sétimo período de mil anos da história humana começará no outono (segundo o hemisfério setentrional) do ano de 1975 E.C… […] Assim, dentro de poucos anos em nossa própria geração atingiremos o que Jeová Deus poderia considerar como o sétimo dia da existência do homem.” A partir dessa publicação, em 1966, a Sociedade Torre de Vigia, através de discursos e de outros artigos impressos, foi criando uma crescente expectativa e euforia entre os membros da comunidade, especialmente através de artigos de estudo da revista A Sentinela. Referindo-se ao lançamento deste livro, a revista A Sentinela de 15 de Fevereiro de 1967 citou o seguinte comentário de alguém que esteve presente numa assembleia em que o livro foi lançado: ”‘O novo livro nos obriga a compreender que o Armagedão, com efeito, está muito próximo’, disse certo congressista.” Como prova da crença de que o ” fim do sistema de coisas” estava próximo, o Ministério do Reino, de Julho de 1974, referindo-se ao “pouco tempo que resta”, disse: “Receberam-se notícias a respeito de irmãos que venderam sua casa e propriedade e que planeiam passar o resto dos seus dias neste velho sistema de coisas empenhados no serviço de pioneiro. Este é certamente um modo excelente de passar o pouco tempo que resta antes de findar o mundo iníquo.” Este tipo de mensagens, como é lógico, provocou um estado exacerbado de expectativa e euforia que se traduziu numa campanha mundial em busca de novos conversos. Nesta época, o objectivo proposto aos publicadores era que conseguissem o máximo de estudos possíveis usando o livro “A Verdade que Conduz à Vida Eterna”, que acabou apelidado de “bomba azul”, pelo seu impacto na pregação, tendo sido impressos e distribuídos mais de cem milhões em todo o mundo. Os estudos deveriam durar no máximo uns seis meses, pois, caso não se visse qualquer evolução no estudante, nomeadamente começar a assistir às reuniões, o instrutor deveria abandonar o estudo. Foi exactamente por esta altura que as Testemunhas de Jeová bateram à nossa porta, trazendo as “Boas Novas do Reino de Deus”, com a promessa de uma “nova ordem mundial”, onde apenas as pessoas tementes a Deus e por Ele aprovadas poderão viver. Um mundo onde todas as famílias serão felizes. Um mundo sem guerra, fome e crime. Um mundo onde toda a humanidade viverá como uma grande família mundial debaixo das bênçãos do Reino de Deus. Esta mensagem falou ao mais fundo da mente e do coração da minha mãe, que viu aí uma luz ao fundo do túnel escuro em que se encontrava. A instrutora rapidamente ganhou a simpatia e amizade dela e tornaram-se grandes amigas. O livro já mencionado serviu para doutrinar a minha mãe, fazendo-lhe crer que tudo aquilo que aprendera na religião católica era a mais pura mentira satânica, ensinos baseados no paganismo que serviam para desviar as pessoas de conhecer a verdade sobre “o único Deus verdadeiro”, Jeová. Rapidamente a minha mãe se desfez de tudo aquilo que pudesse conter vestígios da “adoração falsa” e espiritismo, desde fotografias a objectos, algo muito habitual entre aqueles que começam a seguir a doutrina das Testemunhas de Jeová. O mais irónico disto tudo é que a minha mãe veio mais tarde a saber, pela boca da própria instrutora, que esta era vítima de violência doméstica, tanto física como psicológica, por parte do marido, que desempenhava as funções de servo ministerial na congregação a que pertencia na altura — Congregação Brandoa-Norte. O caso era tão grave que as Testemunhas de Jeová evitavam pregar na rua em que eles moravam, tal era a má fama desta relação. O marido era um homem violento e propenso ao sadismo, tendo chegado a agredir brutalmente a filha quando esta certa vez tentou defender a mãe. Não tenho dúvidas de que, se fosse nos dias de hoje, tal homem estaria preso. Na época, o conceito que existia na sociedade, infelizmente, era o de que “entre marido e mulher, ninguém mete a colher”. Pelo que ela contou na época, os anciãos na congregação não acreditavam nela ou simplesmente fingiam não acreditar. No salão, o marido era uma pessoa simpática e amorosa com todos. Como podia um homem com estas características ser o monstro que ela descrevia? Acabaram por mudar de casa e congregação, mas os abusos continuaram durante anos. Mesmo tendo saído da congregação, sempre que podia visitava a minha mãe procurando consolo, sabendo que era só com ela que podia desabafar. Muitas vezes chorava copiosamente, pois estava presa numa relação da qual não conseguia libertar-se. Lembro-me perfeitamente do rosto dela: sofrido e marcado pela dor de tantos abusos. Anos mais tarde, esse sofrimento conduziu ao suicídio, tal era o desespero. Após a tragédia, o marido foi bater à porta da minha mãe para a provocar, sabendo da grande amizade que elas tinham. Com toda a hipocrisia, afirmou que a mulher não teria direito à ressurreição porque se suicidara. Essa era a ideia vigente entre as Testemunhas de Jeová na época. A minha mãe simplesmente pôs fim à conversa e fechou-lhe a porta na cara. O estudo bíblico não chegou para que a minha mãe se baptizasse, apesar de se considerar uma Testemunha de Jeová e de acreditar piamente na religião recém-encontrada. Apesar de todas estas situações, o poder da doutrina implantada pelo estudo bíblico das Testemunhas de Jeová manteve-a cativa e convencida de que apenas esta era a religião verdadeira, até aos dias de hoje. Quando um estudante, através do estudo bíblico, se convence de que existe uma única religião verdadeira e de que esta só se encontra nas Testemunhas de Jeová, é como se se fechasse um cadeado mental que muito dificilmente se consegue abrir. Por mais atitudes desumanas, desonestas, iníquas e erradas do ponto de vista dos valores morais que se vejam dentro da organização, entre os seus membros e mesmo líderes designados, tudo será atribuído à imperfeição. Se o mesmo acontece em membros de outros grupos religiosos é sinal de que pertencem à “religião falsa” e ao “mundo de Satanás”. Tudo é perdoado, minimizado e mesmo ignorado se acontecer na organização de Jeová. É costume dizer que a “pior pessoa dentro da organização é sempre melhor do que os que estão no mundo”. Trata-se realmente de uma visão preconceituosa e mesquinha, incutida pela organização, que procura criar nos membros a mentalidade do Nós versus Eles. E é bem-sucedida! “O Senhor Jeová vê tudo o que fazes” Desde que a minha mãe começou a estudar a Bíblia com as Testemunhas de Jeová, foi-lhe incutido que deveria começar a educar-me também segundo os ensinamentos do Senhor Jeová. Visto que era uma criança pequena, a minha mãe fê-lo de modo gradual e simples. Começou a usar um livro publicado pela organização, de capa cor de rosa, chamado “Escute o Grande Instrutor”. Este livro, publicado especialmente para crianças e jovens, tinha uma linguagem bem simples, com histórias bíblicas que serviam de trampolim para ensinar lições de moral e incutir nas pequenas mentes impressionáveis o respeito por Deus e o desejo de Lhe agradar. Nestas lições que a minha mãe lia em voz alta, era instigado o temor a Deus e o medo de Lhe desagradar. Afinal, desobedecer a Deus iria entristecer o Seu coração e faria com que tivéssemos uma consciência culpada. Diversas vezes a minha mãe dizia-me: “Filho, não temos de ter medo dos homens. Mas devemos temer a Deus, pois o Senhor Jeová vê tudo o que fazes. Não penses que, por a mãe e o pai não estarem ao pé de ti, fazes as coisas sem ninguém saber. O Senhor Jeová sabe tudo e vê tudo. Ele ama-nos e preocupa-se connosco e por isso não quer que façamos coisas erradas porque isso vai-nos fazer mal. Acima de tudo, vai-nos fazer perder a Sua aprovação.” Esta educação ficou de tal modo vincada em mim que acreditava que Deus estava presente em todos os momentos da minha vida. Orgulho em ser Testemunha de Jeová Esta educação ficou de tal modo vincada em mim que acreditava que Deus estava presente em todos os momentos da minha vida. Era uma companhia constante, que me ajudava, vigiava e avaliava. Quando entrei na escola, tal educação levou-me a ser firme naquilo que considerava como sendo a verdade. Lembro-me perfeitamente de várias ocasiões em que isso se tornou notório para outros. Embora ainda não fosse uma Testemunha de Jeová, identificava-me como tal. Uma das primeiras memórias foi quando, na quarta classe, a professora nos pediu para aprendermos o hino e o cantarmos de pé. Ora, as Testemunhas de Jeová consideram que a bandeira nacional e o hino, embora sejam dignos de respeito, são usados como manifestações de nacionalismo e adoração ao Estado. Este ensino e interpretação religiosa já me fora incutido pela minha mãe e, embora não entendesse muito bem as razões devido à minha idade, sabia que isso desagradaria a Jeová. Por isso, recusei-me a cantar, mantendo-me apenas de pé respeitosamente. É claro que esta atitude fez com que a professora me repreendesse publicamente, advertindo-me para que cantasse com o resto da turma. Prontamente respondi que não o poderia fazer porque era Testemunha de Jeová. Quando ela me pediu satisfações sobre as razões pelas quais não o poderia fazer, disse-lhe apenas que iria trazer uma publicação que explicaria o assunto em pormenor. A minha mãe ajudou-me a preparar-me para poder voltar a falar com a professora, apresentando-lhe uma brochura muito usada na época, chamada A Escola e as Testemunhas de Jeová. Logo num capítulo introdutório e sob o título “O Motivo desta Brochura”, dizia: “Com esta brochura, gostaríamos de familiarizar as autoridades escolares com as crenças das Testemunhas de Jeová, que influem nas atividades escolares. Além disso, queremos explicar porque, em resultado de tais crenças, as Testemunhas jovens não participam em certas solenidades e programas escolares, costumeiros em muitos lugares do mundo. Ao mesmo tempo, desejamos esclarecer que não temos a intenção de impor nossos conceitos a outros.” Na aula seguinte, entreguei a brochura à professora e expliquei o conceito que as Testemunhas de Jeová têm da saudação à bandeira e de cantar o hino nacional. Aproveitei para explicar também que não poderia participar em quaisquer actividades que se relacionassem com a celebração de feriados, como o Natal, a Páscoa e o Carnaval. Percebi claramente que ela não gostou da situação, mas respeitou e aceitou. Quando havia trabalhos em que tais coisas estivessem envolvidas, ela pedia-me para fazer outro tipo de actividade de modo a respeitar a minha consciência. Visto que gostava muito de desenhar, aproveitava tais ocasiões para fazer desenhos sobre outros temas. O mais curioso é que, mesmo depois de deixar de ter aulas com essa professora, que recordo com carinho, ela manteve os meus desenhos afixados no painel durante bastante tempo. Sei-o porque certa vez voltei a visitá-la e, para minha surpresa, lá estavam eles expostos. Modéstia à parte, desenhava bem, e sempre foi um hobby que cultivei ao longo do meu percurso escolar. Aliás, era uma das coisas que os meus colegas recordavam prontamente: “Os desenhos do António.” Na preparatória, aconteceu-me outra experiência engraçada, que cheguei a contar numa entrevista, no Salão de Assembleias de Carnaxide, perante largas centenas de Testemunhas de Jeová presentes. Este tipo de histórias normalmente é aproveitado para enaltecer a postura firme e corajosa de uma Testemunha de Jeová perante circunstâncias que desafiam a sua fé. Isto passou-se na disciplina de História. A professora, depois de ter exposto a matéria sobre a evolução do homem, anunciou que iria ser realizado um teste para avaliar os nossos conhecimentos sobre esse tema. A minha consciência imediatamente deu o alerta, e senti-me na obrigação de ir falar com a professora sobre o assunto. Não apenas eu, mas também outro colega da turma, que também era Testemunha de Jeová. Expliquei à professora que, como Testemunhas de Jeová, não acreditávamos na teoria da evolução, mas na criação. Por isso, pedíamos para sermos dispensados do teste porque sentíamos que, ao responder às questões, estaríamos a violar a nossa consciência, escrevendo sobre algo em que não acreditávamos. A professora mostrou-se surpresa, mas prontamente explicou que não poderia ser. Afinal, como nos iria avaliar se não fizéssemos o teste? A solução que encontrou foi simples: “Basta que no final do teste escrevam que não acreditam na evolução, mas na criação.” Achámos que a proposta era boa e que, ao fazê-lo, a nossa posição ficava definida. Prometemos trazer-lhe na próxima aula um livro que fora publicado na época pela Torre de Vigia, chamado “A Vida — Qual a Sua Origem? A Evolução ou a Criação?” E assim fizemos o teste, tal como todos os nossos colegas, manifestando no fim a nossa discordância em relação ao ensino evolucionista. Quando, alguns dias mais tarde, a professora devolveu os testes, qual não foi a minha surpresa, e provavelmente a dela, quando o corrigiu, quando vi que tinha a nota mais alta da turma. Pelo menos serviu para lhe mostrar que não estava a tentar fugir ao teste por capricho. Ao mesmo tempo, senti-me feliz por ter mantido uma posição firme, de acordo com as minhas convicções. Recordo-me de outra ocasião em que a professora de Português nos convidou a fazer uma redacção sobre a temática do Natal, logo após as férias. Vi-me novamente numa situação em que teria de me expor, uma vez que não celebrava o Natal. Como iria falar das minhas férias natalícias e das supostas trocas de prendas e festividade associada a esta época? Novamente, a brochura “A Escola e as Testemunhas de Jeová” ajudou-me, pois, recordando o que havia lido nela, pude escrever a redacção contando aquilo que sabia sobre o Natal e sua suposta origem pagã. Na aula seguinte, a professora entregou as redacções, e eu tive nota máxima. Não queria acreditar. Mas não se ficou por aqui… A professora pediu-me que lesse a minha composição para a turma. Senti-me a corar e engoli em seco, porque já calculava que seria motivo de chacota. E assim foi! Assim que os meus colegas perceberam o conteúdo da redacção, começaram a rir e a gozar comigo, chamando-me Jeová, entre outras coisas. Uma colega que costumava sujeitar-me a bullying nos intervalos disse logo: «A professora não sabe que ele é Jeová?» Imediatamente a professora pôs-se de pé e, com voz firme, mandou calar a turma. Disse: «O que o António escreveu é verdade. Deixem-no terminar a leitura!» Os meus colegas foram apanhados de surpresa, e acabei por ler o resto entre murmúrios e risos. Era uma turma muito indisciplinada, devo referir. Conto estes episódios para mostrar como aquilo que a minha mãe me havia inculcado, assim como mais tarde o meu instrutor, me forçou a ter sempre verticalidade e coragem para defender aquilo que eu considerava ser verdadeiro. Se, por um lado, isso levou a que fosse alvo de preconceito e chacota por parte dos colegas, acabaria por ganhar o seu respeito com o tempo, porque eu simplesmente não vacilava. Afinal, queria agradar a Jeová e sabia que Ele olhava para mim com aprovação. Confesso que o período escolar não foi fácil para mim, especialmente na preparatória e no secundário. Era um miúdo introvertido, fugindo da associação com colegas do sexo masculino, que tinham um comportamento bem diferente daquele que me fora incutido desde criança. Não dizia palavrões e não era bom em Educação Física. Além disso, assumindo-me como Testemunha de Jeová, acabava por ser um alvo preferencial de troça e agressividade por parte deles, alguns mais velhos do que eu, por serem repetentes. Por isso, preferia a companhia de raparigas durante os intervalos e acabei por desenvolver mais facilmente amizade com elas. Logo no 9.º ano, percebi que seria uma boa opção enveredar por um curso técnico-profissional com equivalência ao 12.º ano e que me daria as bases necessárias para iniciar rapidamente uma carreira profissional. Depois de avaliar os cursos disponíveis e visto que sempre gostei de desenho, optei pelo curso como Técnico de Desenho-Gráfico. Para mim, foi o melhor tempo escolar que tive, uma vez que fui ficando mais extrovertido e que fazia amizades mais facilmente. Conservo algumas delas até hoje. Claro que, mal a situação se proporcionou, me identifiquei como Testemunha de Jeová, o que surpreendeu a turma, mas não criou problemas de maior. Jamais forcei conversas sobre religião e só tocava no assunto quando, em diálogo, me faziam perguntas sobre as minhas crenças. Tinha na turma uma colega que era adventista do Sétimo Dia, e isso também ajudava a que a atenção não estivesse tão focada em mim. Mas, acima de tudo, mesmo havendo conversas mais acesas, quando se discutiam assuntos ligados à religião, existia respeito pela diferença de opinião. Cheguei ao ponto de, em certa aula, ter um colega a defender os meus pontos de vista, como na ocasião em que se falou sobre a teoria da evolução, e um colega meu desafiou o professor com argumentos e perguntas que punham à prova as supostas bases científicas dessa teoria. Houve apenas uma vez em que um colega se exaltou e saiu porta fora enquanto se debatia a minha religião. Aconteceu na aula de uma disciplina chamada Mundo Actual. A professora pediu que fizéssemos uma exposição de um tema à nossa escolha, que teríamos de apresentar à turma, seguido de um debate. Escolhi fazer uma apresentação sobre a religião das Testemunhas de Jeová e para isso levei uma cassete de vídeo que saíra na época. Chamava-se “Testemunhas de Jeová — A Organização Que Leva o Nome” e mostrava o funcionamento da organização Torre de Vigia a partir da sede mundial, em Brooklyn, nos Estados Unidos da América. O vídeo mostrava o funcionamento da gráfica onde eram impressas milhares de publicações todos os meses, desde o simples calendário até à Bíblia usada pelas Testemunhas de Jeová, a Tradução do Novo Mundo. Era um documentário que deixava qualquer pessoa assombrada com a eficiência e organização desta estrutura editorial. Os meus colegas ficaram admirados e surpreendidos com o vídeo e, na segunda parte da aula, seguiu-se o debate. Parecia fogo-cruzado! Perguntas numa sucessão alucinante obrigavam-me a ser objectivo e a explicar as dúvidas que iam sendo apresentadas. Foi quando, durante o debate, um dos colegas, já exaltado com o que estávamos a discutir, disse, irritado, «Isto é um império!» e saiu porta fora. Aquelas palavras ficaram-me para sempre na cabeça. Hoje, olhando à distância e sabendo o que sei hoje, posso afirmar que tinha razão. Um grupo religioso que começou com reuniões familiares e em grupos pequenos tornou-se uma religião expansionista, com implantação em cerca de 240 terras e imóveis que, se fossem vendidos, certamente renderiam muitos mil milhões de euros. No final da discussão, a professora comentou para a turma, em jeito de conclusão: «Podemos não concordar com as crenças do António, mas uma coisa é certa: ele sabe muito bem defender as suas convicções.» Uma outra educação — aprendendo a língua pura Se através da minha mãe foram lançadas as fundações para desenvolver uma personalidade criada à imagem de uma Testemunha de Jeová modelo, o passo seguinte solidificou e estruturou definitivamente essa personalidade. Por volta dos oito a nove anos e já sendo pré-adolescente, a minha mãe decidiu passar o estudo para um irmão na congregação. A escolha incidiu num ancião, o irmão Francisco, que era uma pessoa muito sóbria e madura. Não era de muitos sorrisos, mas era bondoso. Tornou-se não apenas meu instrutor mas quase como uma espécie de tutor na fé, encorajando-me a estudar a Bíblia com afinco e a desejar servir mais a Deus. Se o tivesse de comparar a uma personagem bíblica, compará-lo-ia ao apóstolo Paulo na sua relação com o jovem Timóteo, que, à minha semelhança, também fora educado apenas por sua mãe e avó. À semelhança de Timóteo, o meu pai nunca se tornou Testemunha de Jeová, embora respeitasse esta religião e tivesse feito estudo bíblico durante algum tempo. Gostava de fazer aqui um parênteses. Não sou filho único. Sou cinco anos mais velho do que a minha irmã, que também foi educada como Testemunha de Jeová e que, tal como eu, também se baptizou como tal. Acabou por se afastar da religião algum tempo depois de casar, mas essa é outra história. Na idade em que o irmão Francisco me começou a dar o estudo bíblico, confesso que não gostava muito. Afinal, sendo criança, queria era brincar e estar com os amigos na rua (sim, nessa altura brincava-se na rua). Crescendo naquele que chegou a ser o maior bairro clandestino da Europa (Brandoa) e numa rua sem saída, era habitual passar os tempos livres a brincar às escondidas, à apanhada, ao berlinde, ao pião, à bola e a outros jogos tão característicos da época. Os canais de televisão eram apenas dois e havia hora de abertura e fecho, assim como horários específicos para os desenhos animados. Ao contrário de outras crianças criadas por pais Testemunhas de Jeová, a minha mãe jamais me limitou na socialização ou me fez sentir que isso era algo errado. Penso que era bastante equilibrada, e felizmente tinha mente aberta. Aliás, ainda hoje tem. Tendo este tipo de liberdade, especialmente na altura do período de férias escolares, tornava-se aborrecido ter de sair de casa ou da rua para subir a Brandoa para o estudo bíblico, que era realizado normalmente em casa do ancião. O estudo era feito com regularidade, e poucas vezes faltei, mesmo que fosse por vezes a contragosto. Mas era mais uma obrigação que me preparava para o futuro: abdicar de interesses pessoais para servir a congregação e a Jeová. Com o irmão Francisco estudei vários livros da Torre de Vigia. Aliás, livros não faltavam na organização, pois todos os anos eram lançadas novas publicações. Devo ter estudado uns dez livros ao longo da adolescência, fora muitos outros explorados na congregação, como parte da reunião semanal chamada de Estudo do Livro de Congregação. Durante o estudo, para quem não sabe, são lidos parágrafos que de seguida apresentam uma pergunta ou perguntas respectivas. O objectivo é, depois de se ler o parágrafo, responder às perguntas do instrutor, de preferência por palavras suas, mas sempre de acordo com o que diz o parágrafo. Isto é um método perspicaz de doutrinação, pois a pessoa, ao responder por suas palavras aquilo que está no parágrafo, acaba por inconscientemente adoptar as ideias e ensinamentos que lá estão expressos. O indivíduo não tem liberdade face àquilo que está a aprender, está tão-somente a verbalizar as ideias e conceitos de outros, tornando-os seus. Quando surgem perguntas incómodas ou difíceis, para as quais o estudante não está preparado ou receptivo no sentido de obter uma resposta objectiva, o instrutor alega que essa resposta será dada mais adiante no estudo e que a pessoa precisa de entender primeiro outras coisas mais simples. É algo equivalente a alimentar um bebé primeiro com leite e mais tarde com comida sólida. É por isso que, quando a pessoa chega a partes do estudo mais polémicas — e que poderiam originar objecção na sua mente —, já foi de tal modo formatada que não a irá incomodar. O seu sentido crítico foi desligado. É comum acontecer em grupos e seitas destrutivos, onde a informação é dada por camadas e níveis, de acordo com a etapa em que o indivíduo se encontra. Quando se percebe que a pessoa já está predisposta a aceitar avançar mais um passo no conhecimento do grupo e no seu envolvimento no mesmo, essa informação é-lhe disponibilizada. Nas Testemunhas de Jeová, é claro. Ninguém começa o estudo bíblico abordando assuntos como a questão do sangue, o que acontece a quem peca ou decide sair da organização, etc. Se os estudos começassem por esses temas polémicos, poucos iriam até ao fim. Por esse motivo, tais assuntos só são abordados de modo pormenorizado numa fase avançada do estudo, quando a pessoa já aceitou a ideia de que as Testemunhas de Jeová são a restauração do verdadeiro cristianismo e de que a organização religiosa é como a arca de Noé, onde todos aqueles que desejam ser salvos devem estar no dia do Armagedão. Outro aspecto que jamais é tratado são factos que possam pôr em causa o ensino da organização. Aliás, as Testemunhas de Jeová fogem de qualquer coisa que cheire a crítica. Um estudante que faça muitas perguntas incómodas ou que não se satisfaça com o que lhe é dito está fadado a ser um estudante de curta duração. É visto como alguém que não está disposto a aprender e a ser submisso, e tão rápido quanto possível o instrutor cancela o estudo. No entanto, isso não aconteceu comigo, como é óbvio. Apesar de ter certas dúvidas, já estava mais do que mentalizado para o facto de que esta era a organização de Jeová e de que, para fazer a vontade de Deus, teria de aprender a Língua Pura. Pregação de porta em porta — obrigação incómodaO próximo passo de um estudante das Testemunhas de Jeová é começar a falar a outros sobre aquilo que aprende. É-lhe dito que ele, ao conhecer a verdade, tem a responsabilidade de a partilhar com outros, mesmo que isso acarrete problemas sociais e familiares. Afinal, as pessoas do mundo são na sua maioria opositores da verdade, mas precisam de ser expostas a ela para que, através da sua atitude (favorável ou negativa), possam no futuro ser julgadas por Cristo, quando ele vier como executor no Armagedão. Num dos livros publicados e usados como base para estudo bíblico, “Poderá Viver para Sempre no Paraíso na Terra”, no capítulo «Como tornar-se súbdito do Reino de Deus», dizia-se: «… iguais a Jesus Cristo e seus primitivos seguidores, têm de ser porta-vozes ou proclamadores leais do reino de Deus. (Mateus 4:17; 10:5-7; 24:14) Jeová deseja que todos saibam o que é o seu reino e como este solucionará os problemas da humanidade. Já participou a parentes, amigos e outros as coisas que aprendeu da Palavra de Deus? É a vontade de Deus que faça isso. — Romanos 10:10; 1 Pedro 3:15.» Nesta fase do estudo, a pessoa já está mentalizada para o facto de que, para agradar a Deus, tem de pregar a outros aquilo que aprendeu, ou seja, divulgar aos seus contactos os ensinamentos que obteve das Testemunhas de Jeová. Esta pressão para a conformidade com o grupo começa nesta altura a dar os primeiros passos. A partir do momento em que a pessoa começa a pregar, começa a ser vista como uma Testemunha de Jeová em perspectiva. Foi um passo natural para mim, já que, desde miúdo, falava de modo informal sobre as minhas crenças com os meus colegas de escola e até vizinhos. Apesar disso, a ideia de ir bater a portas desconhecidas e de enfrentar os humores dos moradores não me era nada confortável. Mas isso nunca me demoveu de o fazer. Tornei-me publicador não baptizado, aprovado pela congregação no início da adolescência (creio que pelos meus 12 a 13 anos), e passei a frequentar as reuniões de saída ao campo. Qualquer pessoa que desejasse tornar-se publicador não baptizado precisava de ter a aprovação do seu instrutor, bem como passar por uma sessão de perguntas. As perguntas eram feitas por dois anciãos e pelo seu instrutor, que se baseavam no livro “Organizados para Efectuar o Nosso Ministério”. A ideia era certificarem-se de que a pessoa entendia o passo que estava a dar e se estava apta para isso. O instrutor tinha a responsabilidade de dar o aval e pedir para o seu estudante ser publicador não baptizado. O mesmo livro dizia ao instrutor: «Mostram as expressões da pessoa que crê que a Bíblia é a Palavra inspirada de Deus? […] Conhece os ensinos básicos das Escrituras e crê neles, para que, quando se lhe fizerem perguntas, responda em harmonia com a Bíblia e não segundo as suas próprias ideias, ou segundo ensinos religiosos falsos? […] Acata a ordem da Bíblia de se associar com o povo de Jeová nas reuniões congregacionais (se a saúde e as circunstâncias o permitirem)? […] Sabe o que a Bíblia diz sobre a fornicação, o adultério, a poligamia e o homossexualismo, e está vivendo em harmonia com esses ensinos? Se a pessoa estiver vivendo com alguém do sexo oposto, estão os dois legalmente casados? […] Acata a proibição bíblica da embriaguez? […] Mantém-se limpa do aviltamento com fumo, noz-de-bétele e outras coisas que contaminam o corpo? Está livre do uso não medicinal de drogas viciadoras? […] Rompeu definitivamente a afiliação com todas as organizações da religião falsa com que talvez tenha estado associada, e deixou de frequentar as reuniões delas e de apoiar as atividades delas ou participar nelas? […] Está livre de todo o envolvimento nos assuntos políticos do mundo? […] Crê no que a Bíblia diz sobre os assuntos das nações, em Isaías 2:4, e vive em harmonia com isso? Deseja realmente ser Testemunha de Jeová?» Na reunião de saída ao campo, após uma breve consideração de pontos doutrinais e análise de certas passagens bíblicas que poderiam ser usadas na pregação, junto com as publicações aconselhadas a divulgar nesse mês, eram feitos os pares. Os dirigentes aconselhavam os irmãos a que não levassem arranjos feitos, ou seja, que não tivessem combinado antecipadamente com quem iriam sair. O objectivo era que não saíssemos sempre com os mesmos, de modo a familiarizarmo-nos melhor uns com os outros. Mas nem sempre esse pedido era atendido. Na época cheguei a assistir a saídas ao campo dirigidas por pioneiras, visto não haver irmãos baptizados presentes. No entanto, essa situação é cada vez menos comum, uma vez que as mulheres não podem ensinar na congregação ou desempenhar qualquer tipo de papel mais importante. Quando existe a necessidade absoluta de uma irmã desempenhar um privilégio de serviço, nomeadamente liderar uma saída ao campo, deve cobrir a cabeça com um lenço mostrando submissão diante de Jeová, visto estar a desempenhar uma tarefa que deveria ser realizada por um varão. Costumava apoiar, sempre que possível, os arranjos de saída ao campo, quer durante a semana quer ao fim de semana, saindo inclusivamente com irmãos e irmãs que serviam como Pioneiros Regulares e Pioneiros Auxiliares. Acreditem quando digo que bater às portas não é fácil. Requer uma grande dose de coragem e espírito de sacrifício. Ao contrário do que alguns possam pensar, as Testemunhas de Jeová não recebem qualquer valor monetário ao realizarem a pregação ou ganham quaisquer comissões por arranjarem novos estudantes. Todo o trabalho é estritamente voluntário e depende exclusivamente da boa vontade e da dedicação da Testemunha à organização Torre de Vigia. Quanto mais estiver dedicada à organização, mais tempo irá dedicar a este serviço. É por isso que a organização, que depende quase exclusivamente de trabalho voluntário para divulgar a sua mensagem religiosa, necessita de que seus membros permaneçam intimamente associados à congregação das Testemunhas de Jeová. Assim, quase todo o horário é preenchido com preparação para as reuniões semanais, assistência regular a estas reuniões e pregação pública, o que deixa pouco tempo para que a Testemunha de Jeová desenvolva outros hobbies ou actividades paralelas, para além do trabalho secular. A Testemunha de Jeová é sempre incentivada a «fazer mais para Jeová», como mostra este artigo da revista A Sentinela, de 16 de Julho de 2016: «Com certeza, não vale a pena se empenhar por um estilo de vida materialista e fazer menos pelo Reino. Em vez disso, devemos nos empenhar em fazer mais para Jeová. Que alvos você poderia ter? Por exemplo, será que poderia se mudar para uma congregação que precisa de mais publicadores? Você poderia ser pioneiro? Se você já é pioneiro, já pensou em fazer a Escola para Evangelizadores do Reino? Que acha de trabalhar alguns dias da semana em Betel ou num escritório remoto de tradução? Será que poderia ajudar na construção de um Salão do Reino como voluntário do Departamento Local de Projeto/ /Construção? Pense no que você pode fazer para simplificar a vida e participar mais na obra do Reino. Analise as sugestões do quadro “Como simplificar sua vida”. Daí ore a Jeová e dê os passos necessários para alcançar seu alvo.» Como Testemunha de Jeová, independentemente do que faça, há sempre mais alguma coisa que é esperada de si. As tarefas a desempenhar na congregação, em especial se for homem, são inúmeras, e a organização vai sempre mostrar a sua insatisfação através dos seus representantes, tentando puxá-lo ao limite. A dedicação à organização, através do trabalho na congregação, deve ser absoluta e incondicional. Só assim se consegue provar que se é um irmão maduro e «espiritualmente forte». Lembro-me de que, como adolescente, sabia que, ao sair em pregação, tinha grande probabilidade de encontrar colegas de escola pelas ruas que percorria até ao território designado. Sabia também que poderia bater a uma porta onde vivesse um deles, o que era bastante confrangedor. E isso acabou por acontecer, como era inevitável, mais do que uma vez. Certa vez, um colega de escola, a brincar, ameaçou-me que correria comigo ao pontapé caso fosse bater-lhe à porta. Todos se riram, eu inclusivamente. Por coincidência, não tardou muito para que isso acontecesse! Era a minha vez de bater à porta, como é costume acontecer entre as Testemunhas de Jeová, para que ambos os parceiros tenham a oportunidade de falar com os moradores. Eis que, depois de tocar à campainha, aparece o meu colega. Ao ver-me à sua porta, ficou envergonhado e apenas sorriu, timidamente. Não me descaí e, cumprimentando-o pelo nome, expliquei-lhe a razão da minha visita, junto com o meu parceiro Testemunha de Jeová. Não fui corrido ao pontapé, ele foi simpático connosco, embora não tenha demonstrado qualquer interesse pela mensagem. No dia seguinte, ao chegar à escola, este episódio provocou algumas gargalhadas. Naquele tempo, pregar de casa em casa era mais desafiante. As pessoas, sendo mais religiosas do que hoje em dia, proporcionavam conversas interessantes em que se debatiam doutrinas e se usava muito a Bíblia. Isso veio a mudar cada vez mais porque a perda da religiosidade de muitos portugueses, juntamente com a desacreditação da Bíblia como livro sagrado, tornou bem mais difícil transmitir a mensagem bíblica, conforme a interpretação das Testemunhas de Jeová. Não é de estranhar, portanto, que hoje em dia as Testemunhas de Jeová se tenham voltado para métodos mais inovadores de pregação como vídeos e artigos online para cativar visualmente as pessoas. É possível ver as Testemunhas de Jeová a pregarem de tablet na mão, substituindo até o livro físico da Bíblia por uma versão digital. O que ainda não mudou foi o visual com que se apresentam: homens de fato e gravata e mulheres de saia, sempre. É da praxe! Pessoalmente, não gostava de usar gravata, especialmente nos dias de calor. Ter de andar pelas ruas, com uma pasta, muitas vezes carregada de literatura (livros e revistas, além da Bíblia), e usar roupa que aumentava a sensação de desconforto não era nada agradável. Mas nada disto podia ser questionado. Tudo se resume à lealdade para com as orientações da «organização terrestre de Jeová». Uma Testemunha de Jeová tem de ter muito espírito de sacrifício para se manter activa nesta religião. Como dizia uma irmã certo dia, em tom de desabafo, à minha mulher: «Se acreditando na religião já é difícil, imagine se a pessoa deixasse de acreditar!» Nem imagina como estava certa. (fim) Pode adquirir este livro nas seguintes lojas: WOOK (VENDA INTERNACIONAL) https://www.wook.pt/livro/apostata-antonio-madaleno/23921963 BERTRAND (PORTUGAL) https://www.bertrand.pt/livro/apostata-antonio-madaleno/23921963 FNAC (PORTUGAL) https://www.fnac.pt/Apostata-Antonio-Madaleno/a7590333 EL CORTE INGLÉS https://www.elcorteingles.pt/livros/A35138695-apostata-porque-abandonei-as-testemunhas-de-jeova/ ALMEDINA https://www.almedina.net/ap-stata-1583148290.html
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