Este artigo, baseado na experiência e relatos de uma mulher que fugiu do regime ditatorial e opressor da Coréia do Norte, pretende traçar um paralelo entre a vivência dos norte-coreanos e a vivência das Testemunhas de Jeová que, como iremos ver, experimentam uma vivência similar debaixo do sistema religioso imposto pela sua organização, a Sociedade Torre de Vigia. O artigo irá citar a notícia encontrada no site Diário Digital (aqui), citando os parágrafos dessa notícia e analisando as similaridades vividas pelas Testemunhas de Jeová dentro do sistema religioso fechado e exclusivista em que vivem. "Hesitante, molhou um pedaço de miolo no líquido amarelo dourado, azeite. Molhou de novo e de novo, sem conseguir parar. Hyeonseo Lee provou pão pela primeira vez em Lisboa, onde veio promover o livro «A Mulher com Sete Nomes», no qual conta a história da sua vida no país onde nasceu, a Coreia do Norte, e como fugiu de lá. O objectivo? Pressionar a queda do regime Kim e promover a reunificação das Coreias." O condicionamento mental e a lavagem cerebral não são fenómenos novos, nem tampouco limitado a uma pequena comunidade. O exemplo da Coreia do Norte é a tipificação do que sucede numa escala nacional com cerca de 23 milhões de pessoas. No meio dessa multidão, existem muitos que já perceberam a falácia de todo aquele sistema cruel e letal. Mas nem todos dão o passo de desertar por que fazer isso significaria arriscar sua própria vida e consequentes repercussões para seus familiares ainda reféns naquele país totalitário. E mesmo aqueles que o conseguem fazer vêem-se a braços com dificuldades inesperadas nas suas novas vidas. "Hyeonseo – hyeon significa «brilho do sol», seon é «boa sorte» - é o sétimo nome e representa o culminar de uma odisseia em que se foi reinventando numa fuga e clandestinidade que se prolongaram durante mais de 10 anos. Escolheu-o na Coreia do Sul e falou com o Diário Digital (DD) em Lisboa sobre «A Mulher com Sete Nomes», da Planeta. «Ainda tenho crises de identidade. Apesar de fisicamente viver na Coreia do Sul, viajo por todo o lado por causa das minhas conferências e considero-me uma cidadã do mundo, mas continuo a ser uma desertora da Coreia do Norte e todas as minhas memórias estão lá, os meus familiares continuam lá a viver sob o jugo de uma ditadura terrível», disse ao DD." Esse é o duro fardo a carregar pela ex-Testemunhas de Jeová que cometeram o impensável pecado de terem-se insurgido contra a sua organização religiosa (Torre de Vigia) e terem manifestado a sua discordância com as suas ideologias e doutrinas. São os “desertores” que pagam o preço pesado e cruel de terem de deixar para trás os familiares que continuam leais (ou reféns) ao poder da STV (Sociedade Torre de Vigia). "Mesmo depois de ter sido advertida pelas autoridades sul-coreanas para os riscos sérios que corre e aconselhada a ter cuidado – já teve até várias ameaças anónimas – Hyeonseo nem pensa duas vezes. «Tenho que fazer o meu papel». «Ao fazer este trabalho quero tornar a unificação mais rápida e depois disso quero dizer orgulhosamente que sou coreana. Nem norte nem sul, só coreana». Como se pode promover a unificação? «No meu entender não é através de meios militares, responde. Acho que deve ser através de uma maior consciencialização, tem que ser a partir de dentro, enviando o maior número de informações possível para a Coreia do Norte, para as pessoas acordarem da lavagem ao cérebro. A comunidade internacional também tem um papel muito importante como factor de pressão, deve isolar completamente o regime, e falo sobretudo da China», afirma. «A razão pela qual a família Kim ainda tem o poder é porque conta com o apoio da China. Por isso é necessário pressionar cada vez mais a China para que deixe de apoiar a Coreia do Norte e para que deixe de perseguir e repatriar os desertores. À China interessa estrategicamente manter a situação exactamente como está». Para Lee, a Coreia do Norte «não é prioridade da comunidade internacional, por isso é que o regime Kim ainda subsiste». Salienta que, segundo os contactos que tem, a realidade da Coreia do Norte ainda se tornou mais cruel sob a mão do déspota Kim Young-un, «Ele aterroriza cada mais as pessoas, até matou o tio, há dois anos! O mundo ignora e ele faz o que lhe apetece no seu reino»." Da mesma forma, o mundo ignora a realidade no seio do mundo das Testemunhas de Jeová. Tudo aparenta ser tão inocente que não parece haver motivos maiores de preocupação. Mas a realidade é mesmo essa: o mundo ignora, ou melhor, nem quer saber. Logo, a cúpula da organização faz o que bem quer porque não aceita ingerências no seu mundo, que muitas vezes nem se preocupa com isso tendo em conta outras prioridades bem mais prementes do que ingerir-se nas vidas de cerca de 8 milhões de indivíduos espalhados pelo mundo. Felizmente as coisas vão progressivamente mudando como foi o caso do que aconteceu sobre a investigação ocorrida na Austrália pela Comissão Real Australiana, em relação aos abusos sexuais de crianças. «A parte da informação às pessoas já começou, ao longo da fronteira com a China, através dos desertores e de numerosas organizações que enviam USB´s e DVD´s com informação e até com filmes mostrando as realidades cá de fora, incluindo filmes de Hollywood», conta. «Quando as pessoas perceberem que a Coreia do Sul não é um país paupérrimo, como nos ensinavam, mas que, pelo contrário, é um país rico, vão ficar chocadas e começar a não acreditar no regime». Esta é outra realidade no mundo TJ. Ensina-se-nos que lá fora o mundo é tão degradado, cruel e malévolo que passa-nos ao lado muita da beleza que existe no exterior, nomeadamente seres humanos extraordinários que até dispõem-se a sacrificar suas vidas em prol dos outros. Mas tudo isso é desvalorizado, porque só conta ver quão bom é o mundo das TJ mesmo que no seu meio exista mal-estar encapotado que corrói lentamente o equilíbrio emocional dos seus membros, através das constantes ameaças de morte e destruição no Armagedom bem como das repetidas e cada vez maiores demandas de tempo e energia de todos os membros da família para a “obra”. "Conseguiu ajuda de um comerciante chinês conhecido da mãe e foi ter com familiares, um primo do pai que também tinha desertado. Foi ele que lhe contou que no fim da II Guerra Mundial afinal os japoneses não tinham sido derrotados pelo génio militar de Kim Il-sung, tinham sido expulsos pelo Exército Vermelho Soviético que o instalara no poder. Que nem nunca tinha havido uma Revolução. Que não foi a Coreia do Sul que iniciou uma guerra com o norte, foi a Coreia do Norte que invadiu o sul, e que Kim Il-sung teria sido penosamente esmagado pelos ianques se a China não tivesse intervindo «para lhe salvar o coiro»." Também a história da STV está recheada de mitos e distorções do seu passado para conferir-lhe ares de epopeia cavalheiresca, em que é “inegável” constatar a ação do próprio Deus na condução da sua “Organização” dando-lhe, nomeadamente, tantas vitórias em tribunais e aumentos que só por si “se prova” que essa é a única verdadeira religião, a única que detém a verdade. A realidade é porém muito diferente e só se esbate devido ao passar do tempo e a inacessibilidade da maioria das TJ à informação original que a STV esconde ou distorce e fantasia cuidadosamente à semelhança dos bons políticos deste mundo que ela tanto critica. "Mais tarde, à medida que ia fazendo a sua epopeia clandestina, foi sabendo de outras coisas que nem imaginava, como foi o caso com uma empregada de mesa num dos dois restaurantes que o governo norte-coreano possuía em Xangai (os restaurantes eram uma forma de Pyongyang obter divisas estrangeiras, tal como era o cultivo de ópio e a produção de heroína, para «exportação»)." “Faz o que eu digo, não faças o que eu faço” é o lema da Torre de Vigia. Também aí se nota o falso pudor com que a STV diz aos seus membros como agir mas fazendo algo diferente (ex: esconder os casos de pedofilia, inscrição na ONU como ONG, etc). O Senhor Jesus bem disse. “Façais o que eles dizem, mas não façais o que eles fazem”. "A rapariga, que tal como as outras era escolhida a dedo entre as famílias de elevado songbun, e também devido aos dotes físicos que exibiam, tinha pálpebras duplas. Hyeonseo mostrou surpresa. «Já foi operada aos olhos!», exclamou. Sim, tinha sido…e em Pyongyang! «A elite que vivia em Pyongyang tinha acesso a cirurgia plástica? Era obsceno, consideradas a pobreza e a fome que grassavam entre a população», escreve." A elite da STV viajam constantemente pelo mundo afora, em sítios onde muitas Testemunhas só foram lá em sonhos ou na sua imaginação. É uma vida de executivo de topo. E como bons executivos que são, procedem a despedimentos que julgam necessários para cortar custos. Tantos que dedicaram sua vida para servir em Betel (ou como pioneiros especiais) , e que o fizeram com a perspetiva de ser uma carreira vitalícia, vêem-se agora confrontados com a dura realidade de ter de voltar para a estaca zero com 40 ou 50 anos de idade (senão mais), quando essa nunca foi uma possibilidade sequer imaginada. Tantas vezes, na literatura da STV e em discursos, se contrastava e valorizava as carreiras teocráticas versus as carreiras do mundo, como as mais seguras e nas quais valia a pena investir. Tantas vezes ouvimos falar pela boca de TJ, como tantos irmãos e irmãs tinham sido despedidos por “patrões mundanos” dos seus empregos de décadas, que julgavam seguros, para encontrarem-se agora no desemprego e deprimidos. Infelizmente é o que acontece hoje “deste lado” do muro. «Sair da Coreia do Norte não é o mesmo que sair de qualquer outro país. É como passar de um universo para outro», conta. «Mesmo para aqueles que sofreram horrores inimagináveis e conseguiram fugir ao inferno, a vida no mundo livre pode ser tão difícil que se vêem obrigados a lutar com denodo para se adaptarem e serem felizes. Alguns, poucos, desistem e optam por regressar para aquele mundo de trevas, como eu me senti inúmeras vezes tentada a fazer»." O conteúdo deste parágrafo choca pela realidade similar que se vive no seio da comunidade das Testemunhas de Jeová. Quando alguém decide sair do seu meio, vê-se confrontado com a dura constatação de não conseguir adaptar-se ao mundo real. Muitas vezes cortados da convivência com a sua família (que ficou refém na organização), a nova realidade passa a ter um peso de tal forma esmagador que só mediante muito esforço e apoio de outros consegue adaptar-se a uma nova vivência e voltar a sentir o pulsar da vida e o gosto da liberdade. Alguns, infelizmente, não o conseguem e, ou vivem miseravelmente, ou mergulham na depressão e suicidam-se ou “optam para regressar” para o mundo das TJ. Vem-me à mente o filme com Tim Robins e Morgan Freeman, “Os condenados de Shawshank”, em que um preso muito idoso é finalmente liberto de uma longa pena de prisão. Quando regressa à liberdade, sozinho, sem família e sem o companheirismo dos amigos de cárcere, completamente formatado nos seus hábitos (ao ponto de pedir constantemente autorização para ir ao WC ao seu encarregado na loja onde trabalhava), não suporta a solidão e a falta dos seus amigos que eram a sua “família”. Por fim, não aguenta e suicida-se. Quando seus antigos companheiros tomam conhecimento do seu suicídio, aplicam a ele uma expressão memorável que se adequa tão bem a qualquer situação análoga. Disseram que ele tinha sido “institucionalizado”. Infelizmente, é o que sucede com muitos Ex-TJ (e TJ) que também acabam assim. Foram “organizacionados”. E a pergunta dilacerante que fica é: não o fomos todos nós? E quão seguro é dizer, mesmo depois de se ter pulado os muros da Torre de Vigia, que ainda não se continua “organizacionado”? Só o tempo o dirá. "Lee viu a sua primeira execução pública aos 7 anos. Foi o primeiro de muitos choques que teve num país que, desde tenra idade, lhe ensinaram ser o melhor do mundo. Pouco a pouco foi-se apercebendo que a história lhe tinha sido contada ao contrário e não era na Coreia do Sul que as crianças morriam de fome e esgravatavam no chão a tentar encontrar raízes e cascas para comer." Que analogia tão apropriada com o mundo TJ. Algumas recordações de infância (precisamente a partir dos meus 7 anos), levam-me para aqueles momentos em que eram anunciadas desassociações na reunião. Recordo-me de ver as caras de muitos no Salão do Reino incrédulos e chocados com a notícia. Alguns dos que eram desassociados eram pessoas que eu até estimava e, na minha inocência de criança, via-os como personagens indissociáveis da minha vida e emoções como membros da congregação. Mas a verdade, é que tinham sido “publicamente executados”. Lembro-me de voltar para casa e continuar a pensar no anúncio de desassociação e de quão horrível seria se uma coisa dessas me acontecesse e da minha “execução” ser anunciada publicamente. Claro que os motivos das desassociações não eram (e ainda não são) anunciados. Logo ficava-se com a ideia de que eles deviam ter feito algo tão grave que justificava plenamente a sua desassociação. E desassociação significava, caso não se arrependessem e regressassem, a morte eterna. Para uma criança minimamente atenta, são recordações que marcam. Estamos a falar dos anos 70. Hoje, concluo tristemente que, já nessa altura, muitas crianças foram sexualmente abusadas em muitas congregações, em muitos casos por anciãos, e outros, e que, mediante um ensurdecedor silêncio, ou duvidoso arrependimento dos culpados, nada foi feito. Nem as merecidas desassociações consumadas e anunciadas e nem as denúncias feitas às autoridades. A cúpula soube varrer a sujidade para debaixo do tapete e executar o “peixe miúdo”. O problema é que agora o tapete ficou curto e a sujeira está a transbordar para fora, não havendo meio de impedir o seu vazamento. "A Coreia do Norte aboliu o sistema de classes, mas criou um de castas, o songbun. Uma família é classificada como leal, indecisa ou hostil, dependendo das actividades do seu chefe antes, durante e depois da fundação do Estado, em 1948. Se o avô descende de operários e camponeses e combateu do lado certo durante a Guerra da Coreia, a família é classificada como leal. No entanto, se entre os antepassados se contarem proprietários de terras, funcionários que colaboraram com o governo colonial japonês ou alguém que tenha fugido para a Coreia do Sul durante a guerra, a família é classificada de hostil." Leal, indecisa ou hostil. Esta terminologia assenta muito bem às muitas famílias TJ e a outros membros da organização. Talvez os termos mais adequados seriam “famílias muito espirituais” ou “pouco espirituais”; “homens e mulheres espirituais” ou “carnais”; “boas ou más companhias”; “submissos ou rebeldes”. Seja qual for. A distinção de classes em qualquer esfera do social humano é uma realidade. E as Testemunhas de Jeová não escapam à regra. "Dentro daquelas três categorias mais vastas, existem 51 gradações de estatuto que vão desde a família Kim, no topo, até aos presos políticos sem esperança de libertação, na base. A casta «hostil» representava cerca de 40% da população e só tinha direito a trabalhar nos campos e em minas, bem como em ofícios manuais. A classe «indecisa» podia conseguir emprego como funcionários menores e professores. Só a classe dos cidadãos «leais» estava autorizada a viver em Pyongyang e tinha a liberdade de escolher uma carreira profissional, explica Hyeonseo." "«A ironia estava em que o novo governo comunista tinha instituído uma hierarquia social elaborada e estratificada como nunca se vira no tempo dos imperadores feudais», afirma, acrescentando que «a beleza insidiosa do processo residia na facilidade com que era possível descer e na quase impossibilidade de subir dentro do sistema, mesmo por via do casamento, excepto por especial indulgência do Grande Líder. «E a elite, constituída por 10 a 15% da população, tinha que agir com todo o cuidado para não cometer erros»." Acredito pessoal e sinceramente que muitos anciãos fazem o seu melhor para serem bons pastores. Mas muitos outros usam o seu “privilégio teocrático” para granjear estatuto e valer-se dele. Alguns até pomposamente manifestam sua vaidade em fazer parte de uma elite para a qual trabalharam muito para garantir o seu lugar no “Senado”. Mas também aí, em muitos casos, a queda é muito mais rápida que a subida e muitos, por múltiplos motivos, provaram o sabor amargo da perda dos privilégios que em muitos casos foi merecida, noutras foi duvidosa e forçada (tal como sucede em determinadas desassociações). "Desde a mentalização induzida na escola infantil até ao ingresso obrigatório na Liga da Juventude Socialista quando perfez 14 anos, o Estado controlou todos os aspectos da sua vida. Na Grande Fome de 1995 foi testemunha do caos, da miséria e da repressão generalizadas, via pessoas a morrer de fome pelas ruas. À noite, via a televisão chinesa – a que tinha acesso porque vivia na fronteira – e apercebia-se que aquele era um mundo completamente diferente. Começou aí a duvidar das crenças que há muito lhe haviam inculcado. Afinal a Coreia do Norte não era o paraíso, a China era. Desde pequeno que o endoutrinamento é inculcado na Testemunha de Jeová, com o consequente encorajamento para alvos espirituais, como pioneiros regular ou betelita. Todos os aspetos da vida do indivíduo são condicionados desde tenra idade. «Um dia, em 1995, a minha mãe chegou a casa com uma carta da irmã de um colega de trabalho. Dizia assim: "Quando leres isto, todos os cinco membros da família já não existiremos neste mundo, porque não comemos há duas semanas. Estamos deitados juntos no chão, e os nossos corpos estão tão fracos, que estamos prontos para morrer." «Fiquei muito chocada». Uma vasta escassez de alimentos atingiu a Coreia do Norte em meados da década de 1990, causando a morte de mais de um milhão de norte-coreanos, e muitos só sobreviveram comendo erva, insectos e cascas de árvores. Tal aconteceu em parte devido à queda do regime soviético, que levou também ao fim do apoio à Coreia do Norte. Viver na Coreia do Norte significa afivelar uma máscara logo de pequeno, pois toda a gente está a ser vigiada, não só pela polícia secreta, a Bowib - «capaz de provocar um arrepio gelado na espinha de qualquer norte-coreano» -, como por toda a gente. «Os vizinhos denunciavam os vizinhos, as crianças espiavam outras crianças, os operários denunciavam os colegas, e a chefe de bloco, a banjang mantinha um sistema organizado de vigilância sobre todas as famílias que estavam sob a sua alçada. «Era frequente os informadores receberem rações extraordinárias»." Esta é mais uma faceta do mundo da TJ: a perpétua vigilância que os seus membros fazem uns dos outros e a prontidão em fazer uma delação em caso de pecado ou irregularidade. Isto é ainda mais notório por altura da visita do Superintendente de Circuito: parece existir uma rede de espionagem que está à espera da semana especial para relatar a ele ou à esposa todas as irregularidades ocorridas na congregação. Algumas denúncias até podem ser justificadas, mas outras roçam, ridiculamente, a tagarelice e a calúnia. E claro que o delator é visto como alguém “muito espiritual” e zeloso de obras excelentes! Afinal, a pureza da congregação foi mantida. «O governo dos Kim assentava em tornar todos cúmplices de um sistema brutal, implicando toda a gente, do mais alto ao mais baixo na hierarquia, num processo em que a moralidade se esbatia e ninguém se sentia isento de culpa», escreve Lee. «Um quadro assustado do Partido aterroriza os seus subordinados imediatos, e assim sucessivamente até à base da cadeia; um amigo denuncia outro amigo com receio de ser castigado por não ter denunciado (…) . Indivíduos comuns tornam-se perseguidores, denunciantes, ladrões». É a dinâmica existente no seio das TJ. A sede em Brooklyn coloca a pressão nos Servos de Zona. Estes por sua vez pressionam as filiais aquando das suas visitas. As filiais fazem o mesmo sobre os Sup. Circuito. Os Sup. Circuito colocam a pressão no corpo de anciãos que ficam esmifrados após cada semana especial. Por último os publicadores são a parte final desta “cadeia alimentar” que vão ouvir dizer, por parte dos seus pastores, que “devem fazer mais”, “não se podem acomodar”, “não devem ser preguiçosos”, “que precisam contrariar a carne imperfeita e dar mais de si”, que “Satanás aproveita-se da nossa indolência e sonolência espiritual”. Ou seja, e como diz o povo, quem se lixa é (sempre) o mexilhão! "E podia ser-se preso facilmente. Bastava que os retratos de Kim Il-Sung (O Grande Líder) e do seu filho, Kim Jong-II (O Querido Líder), obrigatórios em todos os lares, não ocupassem a parede mais importante da casa ou não estivessem imaculadamente limpos, com o pano especial que era distribuído para o efeito. Havia inspeções periódicas, nas quais um grão de pó podia representar um bilhete de ida para um campo de trabalho." Falar em adoração prestada ao Corpo Governante poderá chocar muitas Testemunhas. Mas não é menos verdade que as TJ vêem literalmente a este grupo de homens como os “irmãos de Cristo” e, subconscientemente, como semideuses apenas à espera de serem resgatados para o céu quando morrerem ou quando Deus assim o determinar. Acham eles que têm uma espécie de conexão especial com o domínio espiritual. Por isso, e não querendo insistir nesta palavra ADORAÇÃO, poder-se-á falar, sem exagero e medo de falhar, em ADULAÇÃO. E o aparecimento destes homens hoje no JW Broadcasting e nos vídeos destinados às Escolas para anciãos, reforça este sentimento dos membros do rebanho, que literalmente entregam suas vidas e as dos seus familiares mais próximos (filhos, cônjuges, pais e irmãos) aos ditames vacilantes e mutáveis, emanados deste grupo de homens. Aliás, as bibliotecas domésticas da maioria das TJ estão mais recheadas pelos livros da STV do que propriamente por enciclopédias e outras obras seculares. "Doze anos depois de ter fugido e de uma odisseia de perigos, regressou à fronteira da Coreia do Norte, decidida a empreender a arriscada missão de levar a mãe e o irmão para a Coreia do Sul, numa jornada árdua, difícil e muito perigosa. Conseguiu que a família cruzasse a fronteira e, juntos, percorreram milhares de quilómetros na China, até ao Laos, gastando todo o dinheiro que tinha, sobretudo em subornos às autoridades, postos de controlo e à polícia fronteiriça. Na capital do Laos, Vientiane, a mãe e o irmão foram detidos, acusados de serem imigrantes ilegais, mas Hyeonseo já não tinha dinheiro. Foi um australiano que não se identificou quem lhe perguntou o que se passava e se ofereceu para pagar o suborno para os retirar da prisão. «Não estou a fazer isto por ti, estou a ajudar o povo da Coreia do Norte» disse-lhe, naquele dia. «Foi nesse dia que recuperei a humanidade, que voltei a acreditar na humanidade», confessou ao DD." É com esta realidade que se deparam muitas TJ ou ex-TJ: quando, por qualquer razão, a sua irmandade cristã falha e se afasta deles, é nos braços de pessoas ditas “do mundo” que encontram conforto e ajuda. São aqueles por quem nutriram durante anos sentimentos de ambiguidade e de afastamento (quase desprezo), que mostram agora ter mais empatia, afeto e humanismo (e por não dizer cristianismo), do que aqueles que foram durante tanto tempo sua “família espiritual”. É o redescobrir de uma realidade que lhes foi mascarada durante anos a fio e constatar que, afinal, “boas pessoas” com um grande coração, também existem (e em grande número) fora do universo das Testemunhas de Jeová. "Actualmente, Hyeonseo é uma oradora reconhecida nos palcos internacionais, vive na Coreia do Sul, onde se tornou activista em prol dos novos refugiados, e gostaria de, um dia, trabalhar com a ONU. Lá, casou com um norte-americano. «Nós, fugitivos do Norte, temos de recomeçar do zero. Existe muito preconceito contra os que vêm do Norte e os obstáculos para sobreviver no Sul são muitos», diz Hyeonseo, lembrando que as duas Coreias estão separadas há 77 anos. Conta cerca de 30 mil desertores, mas mesmo entre estes há que ter cuidado, pois a Bowib infiltra-se em todo o lado. Entretanto, continua a descobrir um mundo novo, no seu périplo de conferências. Em Portugal encantou-se com o pão, que provou pela primeira vez em 35 anos de vida. «É delicioso, adorei, mas já me disseram que engorda…»." Por, Estêvão Bereano As fotos são posters e ilustrações de propaganda do regime da Coréia do Norte, onde o culto ao líder e a exaltação do regime é evidente, mesmo ao ponto do endeusamento. Veja um vídeo do Youtube com uma entrevista em inglês com Hyeonseo Lee, onde ela relata mais pormenores da sua vivência e do conteúdo do livro.
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