A ilustração acima é uma das muitas ilustrações criadas pela Sociedade Torre de Vigia para ajudar as Testemunhas de Jeová a visualizar aquilo que é considerado o evento mais importante do calendário para elas: o Memorial ou também chamada de Refeição Nocturna do Senhor*. Nesta noite, Jesus reuniu-se pela última vez com seus apóstolos para celebrar a Páscoa Judaica, cujo dia caiu em 14 de nisã no calendário judaico e que corresponde ao período de março/abril do nosso calendário gregoriano. Reunido com seus discípulos, e após a celebração pascal ele disse emocionado: “Desejei muito comer esta refeição pascoal com vocês antes de sofrer...”. Jesus sabia o que estava para acontecer, porque logo a seguir ele explicou: “pois eu lhes digo: Não a comerei de novo até que ela se cumpra no Reino de Deus.” (Lucas 22:15) Sim, ele sabia que pouco tempo de vida lhe restava e aqueles últimos momentos com seus discípulos seriam decisivos para incutir neles o valor do seu sacrifício. Para que eles perpetuassem essa recordação em suas memórias por tempo indefinido, Jesus usou pão e vinho usados na refeição pascal, mas desta vez com um novo simbolismo. O relato dos evangelhos descreve a cena: “Ao continuarem a comer, Jesus pegou um pão e, depois de proferir uma bênção, partiu-o e deu aos discípulos, dizendo: “Peguem, comam. Isto representa o meu corpo.” 27 E, pegando um cálice, ele deu graças e o deu a eles, dizendo: “Bebam dele, todos vocês, 28 pois isto representa o meu ‘sangue do pacto’, que será derramado em benefício de muitos, para o perdão de pecados.” – Mateus 26:26-28 Jesus instituía assim a comemoração da sua morte através da comunhão ou partilha dos símbolos associados à sua morte sacrificial: o pão não-levedado representando o seu corpo puro e isento do pecado adâmico e o vinho representando o sangue que ele derramaria “em benefício de muitos, para o perdão de pecados”. É importante salientar, que nesta ordem clara e direta, Jesus disse: “Persistam em fazer isso em memória de mim” (Lucas 22:19), não colocando quaisquer entraves futuros a que TODOS os seus discípulos participassem desta comunhão ou partilha dos símbolos do seu corpo e sangue. Aliás, ao longo da história, a comunhão de TODOS aqueles que acreditam em Jesus como seu Salvador e Filho de Deus tem sido uma constante. Infelizmente, entre as Testemunhas de Jeová esta comunhão foi interrompida por volta do ano 1935, após o 2º Presidente da Sociedade Torre de Vigia ter reinterpretado as Escrituras, de modo a colocar de fora do Novo Pacto milhões de membros da religião, criando uma falsa divisão entre “cristãos com esperança celestial e terrestre”. Voltando a centrarmo-nos na noite pascal, os evangelhos são unânimes em afirmar que os doze apóstolos estiveram presentes durante a comemoração da Páscoa. Mas que dizer da Refeição Nocturna do Senhor? Sabemos que segundo os evangelhos, Judas Iscariotes saiu a certa altura da noite para ir ter com os líderes religiosos, de modo a ultimar os preparativos para trair a Jesus. As questões são: Quando é que Judas Iscariotes saiu? Foi antes ou depois da celebração da Refeição Nocturna do Senhor? Como Testemunha de Jeová, poucas dúvidas terá de que Judas saiu ANTES de Jesus iniciar a celebração ou memorial de sua futura morte. É assim porque a organização das Testemunhas de Jeová em cada discurso do Memorial, diz coisas tais como (baseado no esboço de 2006):
Mas não apenas no discurso dessa noite é-nos dito que Judas Iscariotes saiu antes de Jesus passar os emblemas ou símbolos da sua morte e convidar os seus discípulos a tomarem deles. Senão veja: “Foi na noite anterior à sua morte que Jesus celebrou sua última refeição pascoal, e, depois disso, instituiu a Refeição Noturna do Senhor. Mesmo antes de iniciar a refeição da Comemoração, mandou-se que o traidor Judas saísse, ocasião em que, segundo o relato, “era noite”. (Jo 13:30).” – Estudo Perspicaz das Escrituras Vol. 3, págs. 391-395 “Depois de terem comido a refeição pascoal, o traiçoeiro Judas saiu da sala para trair Jesus. (João 13:21,26-30) Para os 11 apóstolos que ficaram com Jesus, ele introduziu “a refeição noturna do Senhor”. (1 Coríntios 11:20)” – Sentinela de 1 de Abril de 2003, págs. 4-7 “Jesus celebrou a Páscoa com seus apóstolos, dispensou Judas Iscariotes e, em seguida, instituiu a Ceia do Senhor.” – O Que a Bíblia Realmente Ensina, págs. 206-208 Muitíssimas mais referências poderiam ser colocadas aqui que demonstram os termos nada incertos com que a organização descreve a sequência de eventos na noite de 14 de Nisã de 33 E.C. Para qualquer um de nós, confiantes de que tais homens biblicamente versados e estudiosos da Bíblia e que vivem para escrever coisas como estas para nossa instrução, jamais poderíamos supor que tal descrição dos eventos estivesse errada. A QUESTÃO É QUE ESTÁ ERRADA! “Como é que se pode afirmar isso?” é natural que se esteja a interrogar. A verdade é que a maioria de nós que cresceu nas Testemunhas de Jeová e levou a vida inteira a ouvir tal descrição cronológica dos eventos e que nunca leu os 4 evangelhos, de modo a compará-los sobre este assunto, simplesmente deu como adquirido tal acontecimento: Judas é dispensado por Jesus antes de ele iniciar a Refeição Nocturna do Senhor! Mas é isso que a Bíblia diz de modo taxativo, tal como faz crer a Torre de Vigia, a editora que publica matéria bíblica para as Testemunhas de Jeová? Na verdade, ao lermos os 4 evangelhos podemos dizer que essa conclusão está longe da realidade narrada neles. Convido-vos a pegarem no vosso exemplar da Bíblia, seja ele a Tradução do Novo Mundo ou outra qualquer e lerem os 4 evangelhos em paralelo para chegarmos a uma conclusão sobre este assunto. Coloco aqui os capítulos e versículos, junto com um resumo dos mesmos de modo a facilitar a sua leitura. Mateus 26:17-30 O evangelista Mateus descreve a Refeição Nocturna do Senhor, mencionando apenas que Judas Iscariotes é identificado por Jesus como aquele que o estava prestes a trair antes de iniciar a comemoração da sua morte. Mas, pelo relato, nem mesmo os discípulos se aperceberam desta identificação. Não menciona a saída de Judas da sala em nenhum momento. Marcos 14:12-26 O evangelista Marcos menciona igualmente os preparativos para a última ceia, mencionado que durante a refeição pascal, Jesus interpela os seus discípulos, dizendo de forma clara que um dos doze o trairá. Logo após isso, ele inicia a comemoração da sua morte passando os símbolos do seu corpo e sangue à semelhança do relato de Mateus. Não menciona a saída de Judas da sala em nenhum momento. Lucas 22:7-38 O evangelista Lucas descreve os preparativos para a celebração da Páscoa Judaica semelhante aos outros evangelistas. Indo direto para a celebração da morte de Jesus, Lucas descreve as palavras de Jesus ao explicar os símbolos por ele usados com respeito ao seu corpo e sangue. Após ele passar os emblemas aos seus apóstolos, o evangelista Lucas cita Jesus dizendo: “Mas, eis que a mão do que me trai está comigo à mesa.” Notou? Conforme descreve Lucas, depois dos 12 apóstolos tomarem dos emblemas, Jesus afirma que o traidor ainda está à mesa com ele. Após essa afirmação, o relato descreve a exaltação gerada pelos discípulos tentando perceber qual deles iria trair o Mestre. O relato continua até à saída de Jesus e apóstolos da sala. Em nenhum momento é mencionada a saída de Judas da sala. No entanto, é preciso reter que Lucas, através do seu relato, coloca sem margem para dúvidas Judas Iscariotes durante a celebração da morte de Jesus. Será que o relato do evangelista João irá contradizer o relato de Lucas neste aspeto? João 13:1-30 O evangelista João descreve aquela noite já no decorrer da Refeição Nocturna, mostrando Jesus a dar uma lição de humildade aos discípulos por lavar-lhes os pés, trabalho este que era tradicionalmente destinado ao servo ou àquele que hospitaleiramente recebia visitas em sua casa. É após a lavagem dos pés e a explicação desse gesto aos discípulos, que Jesus diz: “Digo-vos em toda a verdade: Um de vós me trairá.” Mergulhando um pedaço de pão no prato, Jesus o dá a Judas dizendo: “O que fazes, faze-o mais depressa.” O relato explica que os discípulos não perceberam o que se acabava de passar, pois logo após receber o pedaço de pão, Judas sai da sala. Quando ele sai? Visto que João não descreve sequer a instituição da celebração da morte de Jesus, não se pode afirmar que o seu relato é esclarecedor neste aspeto. Ou seja, em nenhum momento é mencionada a hora ou momento em relação à comemoração da morte de Jesus em que Judas sai da sala. Conclusão Se voltar atrás e reler a descrição que a Organização das Testemunhas de Jeová faz da ordem cronológica dos eventos ocorridos naquela noite, com os relatos bíblicos que acabamos de analisar, acredito que algo fica claro: A Torre de Vigia alterou propositadamente a ordem dos acontecimentos em relação à presença de Judas Iscariotes durante a Refeição Nocturna do Senhor ou Última Ceia. Se todos os relatos não se contradizem, porque é que a Torre de Vigia não aceita aquilo que os evangelhos claramente demonstram: Judas esteve presente antes e depois da comemoração da morte de Jesus, tendo comido do pão e bebido do vinho, símbolos do sacrifício de Jesus. Apenas o evangelista João menciona a saída de Judas Iscariotes a certa altura da noite, mas não fornece qualquer pista sobre o momento em que isso acontece. Visto que Lucas claramente coloca Judas Iscariotes como participante da Refeição Nocturna do Senhor e os outros evangelhos não o contradizem, porque a Organização o faz? Notem a explicação que a Torre de Vigia dá: “Judas deixou imediatamente o grupo. Uma comparação entre Mateus 26:20-29 e João 13:21-30 indica que ele partiu antes de Jesus instituir a celebração da Refeição Noturna do Senhor. A apresentação deste incidente por Lucas evidentemente não segue uma estrita ordem cronológica, porque Judas definitivamente já havia partido quando Cristo elogiou o grupo por ter ficado com ele; isto não se ajustaria a Judas, nem teria ele sido incluído no ‘pacto para um reino’. — Lu 22:19-30.” – Estudo Perspicaz das Escrituras, Volume 2, página 618 Será esta explicação razoável? Pode parecer assim à primeira vista. Mas como vimos os relatos são coerentes e não se contradizem. A Torre de Vigia afirma que “Lucas evidentemente não segue uma estrita ordem cronológica, porque Judas definitivamente já havia partido quando Cristo elogiou o grupo por ter ficado com ele; isto não se ajustaria a Judas, nem teria ele sido incluído no ‘pacto para um reino’.”** A organização levanta aqui um falso argumento, porque em nenhum momento ter Judas participado da Refeição Nocturna do Senhor impediria que ele saísse antes de Jesus ter elogiado os apóstolos que ficaram com ele e a quem ele lhes prometeu o reino dado pelo Pai. Usar a palavra “evidentemente” por si só não serve como prova de nada. É forçar um argumento que não se mantém de pé após breve análise! Se notarem no relato de João, tal conversa é feita após os discípulos comerem o pão e beberem o vinho e só depois de Judas ter sido identificado por Jesus como aquele que o iria trair. Como ele disse: “Mas, eis que a mão do que me trai está comigo à mesa.” Sim, Judas ainda estava à mesa naquele momento, tendo provavelmente saído pouco depois de Jesus o identificar dando-lhe o pedaço de pão, pois como diz o evangelista João: “Portanto, depois de ter recebido o bocado, saiu imediatamente. E era noite.” (vers. 30) Voltamos então à questão: Porque insiste a organização Torre de Vigia em colocar Judas para fora da celebração da morte de Cristo? Note novamente a explicação da organização: “…isto não se ajustaria a Judas, nem teria ele sido incluído no ‘pacto para um reino’.” Conforme sabemos bem, a organização sempre se tem esforçado em associar a celebração da morte de Jesus com a esperança de vida celestial, tornando o comer o pão e beber o vinho símbolos dessa esperança. Mas será que comer e beber destes símbolos, são em si mesmos símbolos da esperança celestial ou são símbolos de outra coisa? Relembremos as palavras de Jesus ao explicar o significado destes emblemas: “Isto significa meu corpo que há de ser dado em vosso benefício. Persisti em fazer isso em memória de mim.” 20 Do mesmo modo também o copo, depois de terem [tomado] a refeição noturna, dizendo: “Este copo significa o novo pacto em virtude do meu sangue, que há de ser derramado em vosso benefício.” – Lucas 22:19-20 Jesus aqui explica claramente que o pão e o vinho serviam unicamente como símbolos do seu sacrifício em nosso “benefício”. Isso significa que comer o pão e beber do vinho, nada mais é do que a demonstração visível de que aceitamos o sacrifício de Cristo, com a perspetiva de uma vida eterna futura (daí o “benefício”). Do mesmo modo que o batismo é a demonstração visível que nos tornamos discípulos de Jesus, dedicando a nossa vida ao Pai Celestial, do mesmo modo ao comermos do pão e bebermos do vinho demonstramos perante Jesus e o Seu Pai que aceitamos o maravilhoso sacrifício pelos nossos pecados. Jesus disse que isto seria determinante na nossa aceitação perante ele: “Digo-vos em toda a verdade: A menos que comais a carne do Filho do homem e bebais o seu sangue, não tendes vida em vós mesmos. Quem se alimenta de minha carne e bebe meu sangue tem vida eterna, e eu o hei de ressuscitar no último dia.” (João 6:53, 54) Se queremos ter a vida eterna, se queremos demonstrar perante Jesus e o Pai Celestial que somos realmente cristãos e seguidores de Seu Filho, forçosamente temos de comer e beber dos símbolos que ele nos deu para relembrar a sua morte! Por isso ele ordenou: “Persisti em fazer isso em memória de mim.” Ao contrário do que a Torre de Vigia faz crer, nós não podemos ser apenas “observadores respeitosos”: “Eles obedecem à ordem de Jesus e assistem à Ceia do Senhor, mas comparecem como observadores respeitosos, não como participantes do pão e do vinho.” – Livro Bíblia Ensina, págs. 206-208 Os cristãos jamais podem ser observadores passivos desta celebração. Não importa se almeja a vida na terra ou no céu, comer do pão e beber do vinho é imperativo para se alcançar as promessas divinas que se irão cumprir por meio de Jesus, conforme ele afirmou: “Quem se alimenta de minha carne e bebe meu sangue tem vida eterna, e eu o hei de ressuscitar no último dia.” Ao retirar Judas do cenário daquela noite memorável, a organização tenta arranjar argumentos para convencer os seus membros que eles não devem almejar participar dos emblemas, pois ele não foi incluído no “pacto para um reino”. Mas conforme vimos, Judas realmente participou dos emblemas e só depois saiu para trair Jesus. Olhe novamente para a ilustração no topo do artigo. Ainda acha que Judas não deveria estar lá representado com os restantes apóstolos? Percebe-se mais uma vez, como a Organização Torre de Vigia manipula os seus membros através de interpretações duvidosas, até mesmo contrariando aquilo que a Bíblia apresenta de forma relativamente clara e simples. No esforço de manter o seu status quo dominante, em que uma classe supostamente “ungida” e diferenciada pode participar dos emblemas, enquanto a outra que igualmente exerce fé em Jesus não pode, ela arranja argumentos contradizendo os relatos bíblicos e até mesmo ordens expressas de Jesus. O que fazer com esta informação que vos transmito? Cada um deverá pesar bem o significado do que foi apresentado aqui na sua vida. Leia a Bíblia, medite naquilo que lê e relacione com aquilo que sabe. Acima de tudo, não dê por garantida NENHUMA explicação, por mais erudita que possa parecer. Duvide SEMPRE de expressões tais como “certamente”, “evidentemente”, “com certeza”. Tais expressões muito usadas pela Torre de Vigia ao explicar certos cumprimentos de profecias bíblicas (ex. geração que não passará, etc.), bem como outras doutrinas bíblicas, são ocas em si mesmas e valem tudo e nada ao mesmo tempo. Porque o que hoje “certamente”, “evidentemente”, “com certeza” é assim, amanhã pode crer que não será e uma nova interpretação tomará o seu lugar. Por isso, o conselho sempre repetido até à exaustão é: “Amados, não acrediteis em toda expressão inspirada, mas provai as expressões inspiradas para ver se se originam de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo afora.” – 1 João 4:1 Ex-Membro das Testemunhas de Jeová, » Carlos Fernandes | de Portugal (Lisboa) *Designada também como Última Ceia. **Sobre o “pacto para um reino” ler esta informação.
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