Muitas pessoas questionam-se sobre o que é e como funciona uma Comissão Judicativa das Testemunhas de Jeová. Para uma análise detalhada sobre o funcionamento daquilo que se pode chamar de "tribunal eclesiástico", leia este artigo que escrevi já algum tempo que detalha em pormenor este assunto. Até mesmo a maioria das Testemunhas de Jeová nunca foram alvo deste tribunal, onde pelo menos três homens maduros da congregação, chamados de anciãos, se reunem com a pessoa e a julgam, mediante conceitos muitas vezes subjectivos e baseados em regras estipuladas pela sede mundial, com o Corpo Governante à cabeça. Este artigo pretende expor e recriar o que acontece, por exemplo, num caso em que uma jovem mulher comete aquilo que a organização chama de 'fornicação', ou seja, relações sexuais fora do casamento. A palavra 'fornicação' é descrita pela Torre de Vigia no manual dos anciãos (KS), "Pastoreiem o Rebanho de Deus", do seguinte modo: "Imoralidade sexual (porneía): (Lev. 20:10, 13, 15, 16; Rom. 1:24, 26, 27, 32; 1 Cor. 6:9, 10) Porneía envolve o uso imoral dos órgãos sexuais, de modo natural ou pervertido, com objetivos sexuais. Sempre é necessário um parceiro — um humano de qualquer sexo ou um animal. Não se trata de um simples toque nos órgãos sexuais, mas envolve estimulá-los de propósito. Inclui sexo oral, sexo anal e a estimulação intencional dos órgãos sexuais entre pessoas que não estão casadas entre si. (w06 15/07 pp. 29-30; w04 15/02 p. 13; w00 01/11 p. 8 par. 6; w83 01/12 pp. 23-25; lvs p. 120) Porneía pode acontecer mesmo que não haja contato pele com pele, penetração ou orgasmo." – “Pastoreiem o Rebanho de Deus", cap. 12 Segundo as orientações dadas no manual de anciãos, a mulher deverá receber uma convocação oral para estar presente em determinado dia no Salão do Reino, a uma determinada hora. Ser-lhe-á dito que ela está sendo convocada para uma Comissão Judicativa e que o motivo é ter praticado 'fornicação'. É preciso explicar que uma Comissão Judicativa só ocorre quando há pelo menos duas testemunhas do "pecado" ou fortes indícios que levem à conclusão de que tal terá ocorrido. Veja o exemplo dado no manual de anciãos: "Fortes evidências de imoralidade sexual (porneía): Se pelo menos duas testemunhas viram a pessoa passar a noite toda numa casa com alguém do sexo oposto (ou com alguém conhecido por ser homossexual) em circunstâncias impróprias, pode ser que haja base para uma comissão judicativa." – “Pastoreiem o Rebanho de Deus", cap. 12 Isto claramente indicia que tais testemunhas tiveram que estar a noite toda de vigilância à casa, para saberem se o casal passou a noite inteira juntos. Sabe-se que anciãos e outros a seu pedido têm feito verdadeiras vigílias a suspeitos de estarem a cometer este tipo de pecado. Por isso, quando a pessoa é chamada a uma Comissão destas, das duas uma: ou ela confessou previamente o pecado ou ela foi apanhada por testemunhas a cometê-lo, mesmo que haja apenas fortes indícios. O que os anciãos irão fazer nesta Comissão será ouvir a pessoa e julgá-la de acordo com o pecado que cometeu, associado à forma como a pessoa demonstra arrependimento. Aqui entra a subjectividade, pois os anciãos não sabem até que ponto a pessoa está sendo sincera ou não. Veja o que diz o manual: "A Bíblia usa dois verbos gregos ao falar sobre arrependimento. O primeiro destaca uma mudança de atitude ou de ponto de vista. O segundo, um sentimento de remorso. Assim, uma pessoa está arrependida quando ela lamenta profundamente ter prejudicado sua relação com Jeová e manchado o nome dele e de seu povo, e deseja sinceramente voltar a ter a aprovação de Jeová. Além disso, ela precisa rejeitar de coração sua conduta errada, enxergando o que fez como algo repugnante, detestável. (Rom. 12:9) A pessoa deve demonstrar essa atitude por meio de “frutos próprios do arrependimento”, dando provas suficientes de que ela está tão arrependida quanto diz. — Luc. 3:8; it-1 pp. 209-217." "A comissão deve estar convencida de que a condição de coração da pessoa mudou, de que ela estádeterminada a corrigir o que fez e de que está totalmente decidida a não cometer o mesmo erro novamente. Mesmo que seja a primeira vez que a pessoa passa por uma comissão judicativa, ela deve dar provas de que está realmente arrependida para poder permanecer na congregação." – “Pastoreiem o Rebanho de Deus", cap. 16 Como é óbvio, julgar o nível de arrependimento de alguém é extremamente difícil e o resultado de uma Comissão, por vezes, depende mais dos anciãos que julgam do que da atitude da pessoa que é julgada. Quando os anciãos que compõem a Comissão Judicativa são os típicos fariseus que gostam de apedrejar a pessoa sempre que podem, não existe demonstração de arrependimento que valha à pessoa, enquanto que se forem anciãos compassivos e amorosos ela terá maior chance de não ser expulsa. O mesmo caso, decidido por diferentes Comissões, terá assim possíveis diferentes desfechos, como é óbvio. Outro aspecto a ter consideração, é a forma como os anciãos são orientados pela Torre de Vigia a questionar a pessoa que pecou, em especial, quando o pecado é de cariz sexual. Muitas pessoas se têm queixado de que há muitos anciãos que parecem derivar algum tipo de prazer em fazerem perguntas íntimas acerca dos actos sexuais praticados, alegando que necessitam saber os pormenores para determinar a gravidade do pecado. Passarei a descrever, com base em inúmeros testemunhos e conhecimento pessoal acerca das Comissões Judicativas, um diálogo fictício mantido numa Comissão desta natureza, onde uma jovem mulher é julgada por fornicação. Atenção que este diálogo é para adultos. Darei o nome de Carla à jovem mulher. Os anciãos serão 3: Joaquim com 53 anos, Fernando com 38 e Alberto com 66 (presidente da Comissão). Alberto - Bem irmãos, vamos dar início a esta comissão com uma oração. Irmão Joaquim pode fazer a oração inicial, por favor? (oração) Alberto - Bem irmã Carla, conforme a irmã sabe, pedimos que estivesse hoje aqui reunida connosco porque soubemos que a irmã praticou algo que desagrada a Jeová e certamente o deixou bastante triste. Para nós, como deve calcular também não é agradável estarmos a tratar deste assunto, mas Jeová designou-nos como juízes e pastores da congregação. Quando uma ovelha se perde e machuca temos a obrigação de cuidar dela. Encare esta reunião como uma provisão amorosa de Jeová para a ajudar. Carla - Bem irmãos, na verdade… nem sei por onde começar… Fernando - Basta começar pelo princípio… (risos nervosos) Carla - Pois bem, vou tentar ser o mais directa e franca possível. Envolvi-me romanticamente com um colega de trabalho e acabamos por ir mais longe do que devíamos... e pequei contra Jeová. Alberto - Entendo irmã. Mas para que o assunto fique claro para todos… quando diz que pecou, significa exatamente o quê? Carla - Eu… eu… (lágrimas começam a escorrer pela face)… eu fiz sexo com ele! Alberto - Compreendo… e como se sente em relação a isso? Carla - Profundamente magoada… sinto que traí a Jeová e a confiança dos irmãos. Apesar de ter sido apenas uma única vez… nunca mais dormi em paz. Por isso, decidi contar aos irmãos e confessar o meu pecado. Alberto - E fez muito bem! A Bíblia é clara ao dizer que temos que confessar os nossos erros para que Jeová nos perdoe e cure espiritualmente! Vamos ler Provérbios 28:13. Aqui mostra claramente que confessando os nossos pecados, obteremos a misericórdia ou perdão de Jeová. Joaquim - Nem mais irmão Alberto! Irmã Carla, o nosso papel aqui é perceber o que aconteceu e porque aconteceu. Quando cometeu fornicação com o colega, como se sentia a nível espiritual? Orava a Jeová todos os dias? Lia a Bíblia regularmente? Estudava a Sentinela? A pregação era regular? Carla - Sim irmão! Acredite quando lhe digo que o envolvimento que tive foi algo muito forte, mas rápido e… quando me apercebi estava envolvida demais e não tive forças para resistir. (choro convulsivo) Alberto - Pronto… pronto irmã Carla. Acalme-se… nós percebemos que a irmã está muito emocionada. Quer fazer uma pausa? Carla - Não… desculpe! Não imaginam como isto me tem corroído! Tenho dormido pouco e estou muito abalada. Fernando - Irmã Carla, eu acredito que a irmã se sinta assim. Mas há a necessidade de a irmã ser totalmente franca connosco. Conte-nos exatamente o que aconteceu. Carla - Contar… o que aconteceu… como assim? Fernando - Sim, irmã. As circunstâncias em que ocorreu o pecado. Precisamos de perceber exatamente o que aconteceu. Num tribunal, o juiz tem que houver todas as evidências do que aconteceu, certo? Só assim pode dar um veredicto. Carla - Eu… eu… nem sei o que dizer… Fernando - Por exemplo, quando tiveram relações… estavam no trabalho, em casa, onde foi? Carla - Foi na casa dele, depois do trabalho. Ele disse-me que me dava boleia até à minha casa, mas no caminho convidou-me a tomar um copo na sua casa para desanuviar. Temos tido muito trabalho na empresa e tem sido stressante. Fernando - Muito bem irmã. Então foi na casa desse homem. E depois? Alberto - Sim, irmã Carla. O que aconteceu que deu azo ao pecado? Carla - Irmãos, eu… eu… bebi uns dois copos de vinho… e quando dei por mim… estava nos braços dele… Fernando - Sim, irmã, percebo. Estava mais desinibida… e trocaram carícias? Carla - Sim, irmãos. Houve troca de beijos e carícias… e depois sexo. Joaquim - Pois é irmã. Ir para casa de alguém do sexo oposto muitas vezes tem resultado em se cometerem tais actos. Como dizia Jesus: "a carne é fraca". Carla - Eu sei irmão… e como me arrependo! (choro) Fernando - Só mais algumas perguntas… desculpe mas acho que precisamos de mais pormenores. Houve masturbação mútua? A irmã fez-lhe sexo oral ou ele a si? Carla - Irmão… acho que isso não tem importância para o caso! (chocada) Fernando - Tem irmã e muita. Nós precisamos de avaliar o seu grau de arrependimento. Para isso precisa de ser absolutamente sincera quanto ao que aconteceu! Carla - Irmãos… eu não sei mais o que lhes diga… eu… Joaquim - Irmã seja sincera connosco. Estamos aqui para ajudá-la… Carla - Eu… toquei-lhe no sexo sim. Masturbei-o enquanto nos beijávamos. Ele depois despiu-me a blusa… e acariciou-me os seios e beijou o meu corpo… Fernando - E fez-lhe sexo oral? Carla - Sim... aí perdi totalmente a resistência que tinha… e deixei-me ir… Fernando - Mas a irmã não lhe fez a ele? Carla - Não fiz o quê? Fernando - Sexo oral? Carla - Sim… (baixando a cabeça com vergonha) Fernando - Só depois disso houve penetração? Carla - Sim… Fernando - Ok irmã. Creio que percebemos o cenário e estamos mais habilitados para avaliar a gravidade do pecado. Joaquim - Só mais uma pergunta… houve outro tipo de sexo? Carla - Outro tipo de sexo? Como assim? Joaquim - Praticaram sexo anal? Carla - Não! Alberto - Bem irmãos, creio que já percebemos todos o cenário e não há necessidade de mais pormenores. Irmã Carla, percebemos que a irmã está bastante abalada com o que aconteceu e pelo que contou o ato sexual aconteceu apenas uma única vez, é isso? Carla - Sim, irmão Alberto. Foi apenas dessa vez. (choro) Alberto - Acredito que é chegada a altura de falarmos apenas nós 3 e pedimos por isso que a irmã Carla, saia da sala e espere lá fora. Iremos conversar um pouco e já a voltamos a chamar para transmitirmos a nossa decisão. Carla - Ok, irmão Alberto. Estas Comissões Judicativas normalmente demoram bastante tempo, nunca menos que umas 2 horas, dependendo da situação. É uma situação muito humilhante, especialmente para as mulheres que ficam frente a frente com 3 homens, muitas vezes mais velhos que elas e têm que relatar a sua vida privada e os actos praticados. É preciso ressalvar que nem todas as Comissões Judicativas têm anciãos tão intrusivos na vida pessoal e com o desejo de saber os pormenores mais íntimos do "pecado". No entanto, são demasiadas as vezes em que isto ocorre e inúmeras pessoas têm-se queixado desta intrusão na vida pessoal e íntima. Algumas mulheres têm mesmo comentado que percebem nos anciãos deste tipo, um especial deleite em obterem pormenores dos actos, como que para fantasiar depois com os mesmos. Este tipo de tribunais paralelos, muitas vezes são profundamente ilegais e funcionam sem qualquer supervisão, visto que o visado não pode ter presente durante a Comissão Judicativa testemunhas da mesma. Este diálogo fictício, não é tão fictício assim e reflecte uma realidade que ocorre todos os anos milhares de vezes em muitas congregações das Testemunhas de Jeová. Quem já passou por estas Comissões pode confirmar isso mesmo. Este artigo serve exactamente para expor esta reunião secreta e a que poucos têm acesso. Decida por você mesmo se uma mulher ou homem devem ser expostos a tal invasão da privacidade e por consequência serem expulsos e tratados como estando mortos pelos seus anteriores amigos e até mesmo familiares. António Madaleno
0 Comments
|
Autores,Categorias,
All
|