Uma das doutrinas mais antigas das Testemunhas de Jeová (TJ) e que tem sido mantida de modo coerente e sem grandes alterações, é o ensino de que apenas 144.000 pessoas irão reinar com Cristo nos céus. Charles Taze Russell acreditava, assim como tem sido uma constante ao longo da história do cristianismo, que todos os cristãos receberiam a coroa da vida numa existência espiritual após a morte. Conforme diz o livro “Proclamadores”: “Charles Taze Russell e seus associados tinham essa esperança [celestial], como a maioria das Testemunhas de Jeová até meados da década de 30. Sabiam também, com base nos seus estudos das Escrituras, que a unção com espírito santo significava não só que tais pessoas serviriam no futuro quais reis e sacerdotes com Cristo nos céus, mas também que tinham um trabalho especial a fazer enquanto ainda estavam na carne.” (destaque acrescentado) Embora ele acreditasse que a chamada “Grande Multidão” de Apocalipse 7 fosse uma classe à parte dos 144.000 e inferior a esta em posição nos céus, ainda assim, acreditavasse que era um grupo que viveria também no céu tomando uma posição “diante do trono”. Tudo isso mudou quando J.F. Rutherford mudou o ensino e num discurso proferido em Washington DC, no ano de 1935, depois de estabelecer a suposta base bíblica para uma classe terrestre, perguntou: “Queiram todos os que têm esperança de viver para sempre na Terra pôr-se de pé.” Segundo o livro “Proclamadores” relata, “mais da metade da assistência pôs-se de pé”. Este ano marcou assim a separação definitiva entre a “classe terrestre” e a “classe celestial”, conforme entendida por Rutherford e outros na organização da época. É claro que, desde então, milhões de Testemunhas de Jeová foram entrando na organização já mentalizadas de que a sua esperança é terrena e que apenas por escolha divina (como numa espécie de sorteio cósmico), poderão aspirar a uma vida celestial com Cristo. Assim, uma Testemunha de Jeová é ensinada desde o princípio, que o número 144.000 é literal e que a esmagadora maioria dos cristãos (leia-se TJ) irão viver num paraíso na terra. Número de cristãos nos primeiros séculos É claro que em toda a doutrinação feita aos membros, raramente são mencionados os números de cristãos existentes nos primeiros séculos do cristianismo. E isto não é por acaso. Quando se olha para a história do cristianismo e sua expansão, percebe-se claramente que muito dificilmente o número 144.000 poderia ser literal. É óbvio que estimar os números cristãos exatos em qualquer ponto da história (até hoje) é uma tarefa difícil. O sociologista da religião, Rodney Stark, no seu livro “The Rise of Christianity” (“A Ascenção do Cristianismo”), fez uma excelente tentativa de fornecer algum tipo de parâmetros gerais. Stark afirma o seguinte, mostrando cautela na abordagem: “Para um número inicial, Atos 1: 14-15 sugere que vários meses após a crucifixão havia 120 cristãos. Mais tarde, em Atos 4:4, um total de 5.000 crentes é reivindicado. E, de acordo com Atos 21:20, na sexta década do primeiro século havia “muitos milhares de judeus” em Jerusalém que agora acreditavam. Estas não são estatísticas. Se houvesse tantos conversos em Jerusalém, teria sido a primeira cidade cristã, já que provavelmente não havia mais do que vinte mil habitantes neste tempo... Como Hans Conzelmann observou, esses números são apenas “destinados a tornar impressionante a maravilha que aqui o próprio Senhor está trabalhando” [1973: 63]. De fato, como Robert M. Grant apontou, “deve-se sempre lembrar que figuras na antiguidade… faziam parte de exercícios retóricos” [1977: 7-8] e não eram realmente feitas para serem tomadas literalmente. Tampouco isso é limitado à antiguidade. Em 1984, uma revista de Toronto afirmou que havia 10.000 membros Hare Krishna naquela cidade. Mas quando os pesquisadores verificaram o assunto, descobriram que o total correto era 80.” – “The Rise of Christianity”, pág. 5 Podemos ver, que do ponto de vista erudito existe contenção e até desconfiança em relação ao número de conversos apresentados no livro de Atos. No seu livro “The Rise of Christianity”, Stark faz analogias com os novos movimentos religiosos modernos e mostra como os primeiros cristãos poderiam ter alcançado seu notável crescimento nos primeiros séculos por formas bastante familiares de crescimento e conversão. Ele estima uma população cristã global de 40.000 pessoas em 150 A.D, aumentando para 218.000 em 200 e 1.17 milhão em 250 A.D. De acordo com seus cálculos, foi por volta de 180 A.D. que os números cristãos globais primeiro ultrapassaram o valor simbólico de 100.000 cristãos espalhados pelo império romano. Basta pensar que, por exemplo, Charles Taze Russell iniciou o pequeno movimento dos Estudantes da Bíblia no final do século 19 e passados pouco mais de 100 anos e mesmo após o cisma ocorrido depois da sua morte (com a ascensão de J.F.Rutherford à presidência), as Testemunhas de Jeová contam já com mais de 8 milhões de membros! Os primitivos cristãos, ao contrário do que acontece hoje, eram o único grupo verdadeiramente proselitista existente, o que significa que não havia concorrência de outros grupos religiosos procurando fazer conversos como acontece hoje em dia. Através de contatos pessoais com familiares e amigos, etc., os cristãos divulgavam o evangelho com sucesso. Sendo algo novo, pode-se imaginar como muitos ficavam inicialmente curiosos pela mensagem, religiosamente diferente de tudo o que haviam ouvido no mundo romano. É interessante o que Stark tem a dizer sobre o método pessoal de proselitismo, conforme os primeiros cristãos faziam: “Dados baseados em registros mantidos por um presidente da missão mórmon dão apoio poderoso a essa proposição. Quando os missionários fazem contatos frios, batem nas portas de estranhos, isso leva a uma conversão em milhares de contatos. No entanto, quando os missionários fazem seus primeiro contatos com uma pessoa na casa de um amigo mórmon ou parente dessa pessoa, isso resulta em conversão em 50% da ocasião.” – “The Rise of Christianity”, pág. 18 O mesmo se pode dizer da experiência das Testemunhas de Jeová. Falando por experiência própria, pude perceber que a conversão de alguém como Testemunha de Jeová é muito mais provável e rápida de ocorrer se for através de pessoas amigas e familiares, do que em encontros com desconhecidos através da pregação de porta em porta, onde a receptividade é muito baixa e apática. Número de mártires cristãos também fornece uma pista É interessante o que a própria organização Torre de Vigia publicou acerca dos mártires cristãos, ou seja, acerca dos homens e mulheres que por causa da sua fé em Cristo sofreram o martírio às mãos dos seus opositores. Notem o que diz a Sentinela de 1º de setembro de 1951, página 516 e 518: “Uma breve pausa seguiu-se à morte de Nero, mas nos últimos anos do primeiro século a segunda grande perseguição, sob o imperador Domiciano, irrompeu. Diz-se que só no ano 95 cerca de 40.000 sofreram o martírio. Como em Nero, em Domiciano são encontrados traços dementes.” “Diocleciano assumiu a coroa em 284 AD. Inicialmente ele parecia amigo dos cristãos, mas no ano 303 ele cedeu à persuasão e iniciou a décima perseguição, provavelmente a mais feroz de todas. O sufocamento por fumaça, o beber forçado de chumbo derretido, os afogamentos em massa e as queimaduras, e a quebra de homens e mulheres, fez correr sangue pelo império. Num único mês 17.000 foram mortos. Só na província do Egito, 144 mil professos cristãos morreram de violência no curso dessa perseguição, além de outros 700 mil que morreram em decorrência de fadigas encontradas em banimento ou em obras públicas forçadas.” Mesmo que os números que a Torre de Vigia apresenta estejam inflacionados em virtude do que já vimos antes, ainda assim, torna-se claro que milhares de cristãos foram condenados ao martírio pela sua fé cristã. Notamos que a organização usa a expressão “professos cristãos”, tentando de algum modo querer dizer que estes não eram verdadeiros cristãos. Mas com que base o faz? Será que pessoas que estão dispostas a morrer pela sua fé são de algum modo cristãos “falsos”? Dificilmente! Notem os argumentos que a organização dá em outro artigo, tentando diminuir a importância do número de cristãos mortos nos primeiros séculos da Era Cristã. “Perguntas dos Leitores ● Diz-se que grande número de cristãos foram mortos durante a perseguição romana no primeiro século da Era Comum. Então, como é possível que milhares de pessoas, neste século, tenham sido chamadas para se tornar parte do corpo de Cristo composto apenas de 144.000? — E. U. A. Existem indícios históricos de que muitos cristãos foram ferreamente perseguidos e até mesmo mortos, nos primeiros séculos. No entanto, é preciso lembrar que a morte de mártir, em si mesma, não concede à pessoa mérito perante Jeová Deus, nem lhe garante ser membro do seu reino celestial. Muitos, até mesmo em tempos recentes, estiveram dispostos a morrer por motivos religiosos ou outros. Afirmar alguém ser cristão e até mesmo morrer por sua crença não significa em si mesmo que ele é servo aprovado de Jeová Deus. Conforme o apóstolo Paulo escreveu aos Coríntios: “Se eu der todos os meus bens para aumentar os outros, e se eu entregar o meu corpo, para jactar-me, mas não tiver amor, de nada me aproveita.” (1 Cor. 13:3) Não é a morte, mas a fidelidade até a morte, que determina se alguém há de receber “a coroa da vida”. — Rev. 2:10. Assim, haver hoje ainda um restante dos 144.000 na terra indicaria que até este século vinte menos de 144.000 terminaram sua carreira terrestre em fidelidade. Embora alguns talvez estejam inclinados a pensar que certamente devem ter estado envolvidas mais pessoas mesmo já nos primeiros séculos da Era Comum, falta inteiramente qualquer prova real neste sentido. Atualmente, é impossível até mesmo só saber-se quantos foram mortos, muito menos ainda quantos permaneceram fiéis até a morte. “Temos praticamente apenas poucos fatos em que nos basear”, escreve Frederick John Foakes-Jackson no livro History of Christianity in the Light of Modern Knowledge (História do Cristianismo à Luz do Conhecimento Moderno). Ele declara adicionalmente: “O testemunho sobre a perseguição de Nero é registrado por dois historiadores romanos, Tácito e Suetônio, que ambos eram muito jovens quando ela ocorreu, e eles escreveram na vida madura. Não há nenhum documento contemporâneo cristão que a descreva, embora talvez se faça alusão a ela no livro de Revelação . . . . Tertuliano, no fim do segundo século, é a nossa autoridade que diz que Nero e Domiciano, porque foram os dois piores imperadores nos primeiros séculos, perseguiram os cristãos.” No início do terceiro século E. C., Orígenes, (escritor e instrutor cristão) observou: “De vez em quando tem havido alguns, facilmente contados, que morreram pela religião cristã.” Muita coisa escrita sobre os mártires cristãos foi embelezada pela tradição e por isso não é fidedigna. Por exemplo, o martírio de Policarpo, no segundo século E. C., é descrito na obra Fox’s Book of Martyrs (Livro de Mártires de Fox) do seguinte modo: “Ele foi . . . amarrado a uma estaca, e incendiaram-se os feixes com que foi cercado, mas quando ficou tão quente que os soldados se viram obrigados a retirar-se, ele continuou a orar e a cantar louvores a Deus, por muito tempo. As chamas ardiam com grande violência, mas ainda assim seu corpo não foi consumido e brilhava como ouro brunido. Diz-se também que um cieiro agradável, como o de mirra, se elevava do fogo, o que espantou tanto os espectadores, que muitos se converteram ao cristianismo por causa disso. Seus executores, achando impossível matá-lo com o fogo, mergulharam uma lança no seu lado, do qual saiu sangue em tal quantidade que extinguiu a chama. Seu cadáver foi então reduzido a cinzas, por ordem do procônsul, para que os seus seguidores não o tornassem objeto de adoração.” Não importa qual tenha sido a fonte de informações de Fox, é evidente que pouco desta narrativa é realmente histórico. Todavia, se a alusão à adoração dos restos de Policarpo deve ser considerada como indicação da existência da adoração de relíquias entre os professos cristãos do segundo século E. C., isto seria evidência adicional de que muitos daquele tempo não eram adoradores fiéis de Jeová Deus. Os cristãos estão sob a ordem de ‘adorar a Deus’, não relíquias. (Rev. 19:10) De fato, os idólatras encontram-se entre os mencionados especificamente nas Escrituras como inaptos para herdar o Reino. — 1 Cor. 6:9, 10.” – w73 1/1 pp. 31-32 Vamos analisar parágrafo por parágrafo e ver como a organização tenta manipular o leitor para chegar às conclusões que ela pretende sobre este assunto. Salientamos que este artigo surge anos depois do anterior artigo já mencionado, onde são dados números elevados de mártires cristãos. Coloco a negrito os parágrafos e depois a análise. “Existem indícios históricos de que muitos cristãos foram ferreamente perseguidos e até mesmo mortos, nos primeiros séculos. No entanto, é preciso lembrar que a morte de mártir, em si mesma, não concede à pessoa mérito perante Jeová Deus, nem lhe garante ser membro do seu reino celestial. Muitos, até mesmo em tempos recentes, estiveram dispostos a morrer por motivos religiosos ou outros. Afirmar alguém ser cristão e até mesmo morrer por sua crença não significa em si mesmo que ele é servo aprovado de Jeová Deus. Conforme o apóstolo Paulo escreveu aos Coríntios: “Se eu der todos os meus bens para aumentar os outros, e se eu entregar o meu corpo, para jactar-me, mas não tiver amor, de nada me aproveita.” (1 Cor. 13:3) Não é a morte, mas a fidelidade até a morte, que determina se alguém há de receber “a coroa da vida”. — Rev. 2:10.” É interessante como a organização tenta menosprezar o ato de morrer em nome da fé cristã, como se isso fosse de somenos importância. Parece que o ato de querer morrer como cristão fosse algo simples e rápido, algo feito irrefletidamente, assim como o tipo de morte que os esperava. Os cristãos eram mortos de modo cruel e não numa rápida execução! Note o que diz o historiador Tácito, referindo-se à morte de cristãos em massa nos dias de Nero: “Para se livrar dos rumores, Nero criou bodes expiatórios e realizou as mais refinadas torturas em uma classe odiada por suas abominações: os cristãos (como eles eram popularmente chamados). Cristo, de onde o nome teve origem, sofreu a penalidade máxima durante o reinado de Tiberius, pelas mãos de um dos nossos procuradores, Pôncio Pilatos. Pouco após, uma perversa superstição voltou à tona e não somente na Judéia, onde teve origem, como até em Roma, onde as coisas horrendas e vergonhosas de todas as partes do mundo encontram seu centro e se tornam populares. Em seguida, foram presos aqueles que se declararam culpados, então, com as informações deles extraídas, uma imensa multidão foi condenada, não somente pelo incêndio, mas pelo seu ódio contra a humanidade. Ridicularizações de todos os tipos foram adicionadas às suas mortes. Os cristãos eram cobertos com peles de animais, rasgados por cães e deixados a apodrecer; crucificados; condenados às chamas e queimados para que servissem de iluminação noturna quando a luz do dia já tivesse se extinguido.” (Tácito, Anais – destaque acrescentado) Por esta passagem percebe-se o quão horrível era a forma como os cristãos eram mortos. Também é preciso relembrar que em muitas das perseguições feitas aos cristãos, era dada a oportunidade de renunciarem à sua fé ou pelo menos partilhá-la com a adoração ao imperador, algo que os cristãos recusavam terminantemente. A organização explica como o governador romano Plínio “empenhou-se arduamente em restaurar a adoração pagã, ao passo que os cristãos pagaram com a vida por se negarem a oferecer vinho e incenso perante estátuas do imperador” (w93 15/11 pp. 8-11). Fazer crer que tais cristãos dispostos a morrer pela sua fé eram de algum modo inferiores à fé demonstrada, por exemplo, pelas Testemunhas de Jeová que se recusaram a fazer a saudação nazi ou que preferiram morrer a renunciar à sua fé por assinar um papel nos campos de concentração, é no mínimo má-fé. Certamente que os primitivos cristãos por preferirem morrer pela sua fé demonstraram sua lealdade a Cristo e a esperança da ressurreição, que envolvia irem para o Céu para estarem junto com Jesus! “Assim, haver hoje ainda um restante dos 144.000 na terra indicaria que até este século vinte menos de 144.000 terminaram sua carreira terrestre em fidelidade.” Como se costuma dizer, partindo de uma premissa errada, obviamente que a conclusão só pode ser errada. A organização tenta forçar o argumento e de que os muitos mártires cristãos dos primeiros três séculos só podiam ser falsos, para fazer valer o ponto de que o número 144.000 é literal! O mais curioso é que desde há vários anos para cá o decréscimo que vinha a acontecer com respeito aos que tomavam dos emblemas entre as Testemunhas de Jeová e que diziam ter esperança celestial nas congregações parou e o número dos que afirmam ter uma ressurreição espiritual aumentou e muito! Devido a este aumento e à situação incómoda que gerou, rebatendo a argumentação que a Torre vinha a divulgar, ela teve que dizer coisas como estas: “Os irmãos que fazem a contagem dos que comem do pão e bebem do vinho não podem julgar quem realmente tem a esperança celestial. Esse número inclui pessoas que por engano acham que são ungidas. Depois de um tempo, alguns que começaram a comer do pão e beber do vinho pararam. Outros, por terem problemas mentais ou emocionais, acreditam que governarão com Cristo no céu. Então, o número de participantes não indica com precisão a quantidade de ungidos na Terra.” – w16 janeiro pp. 22-27 (destaques acrescentados) Mais uma vez se vê como a organização força argumentos de modo a provar o seu argumento. Em vez de reconhecer o seu engano, prefere pôr em causa algo que deveria ser apenas entre Deus e a pessoa, lançando suspeitas sobre os membros das congregações que ousem tomar dos emblemas. Muitos passaram a ser encarados com desconfiança ou como mentalmente perturbados apenas porque a Torre de Vigia não admite o óbvio: o número 144.000 é um número meramente simbólico! “Embora alguns talvez estejam inclinados a pensar que certamente devem ter estado envolvidas mais pessoas mesmo já nos primeiros séculos da Era Comum, falta inteiramente qualquer prova real neste sentido. Atualmente, é impossível até mesmo só saber-se quantos foram mortos, muito menos ainda quantos permaneceram fiéis até a morte. “Temos praticamente apenas poucos fatos em que nos basear”, escreve Frederick John Foakes-Jackson no livro History of Christianity in the Light of Modern Knowledge (História do Cristianismo à Luz do Conhecimento Moderno). Ele declara adicionalmente: “O testemunho sobre a perseguição de Nero é registrado por dois historiadores romanos, Tácito e Suetônio, que ambos eram muito jovens quando ela ocorreu, e eles escreveram na vida madura. Não há nenhum documento contemporâneo cristão que a descreva, embora talvez se faça alusão a ela no livro de Revelação . . . . Tertuliano, no fim do segundo século, é a nossa autoridade que diz que Nero e Domiciano, porque foram os dois piores imperadores nos primeiros séculos, perseguiram os cristãos.” No início do terceiro século E. C., Orígenes, (escritor e instrutor cristão) observou: “De vez em quando tem havido alguns, facilmente contados, que morreram pela religião cristã.”” Mesmo que não se saiba ao certo quantos mártires cristãos existiram nos três séculos iniciais do cristianismo, calcula-se que o número de cristãos no terceiro século já ascendia a pelo menos 1 milhão de pessoas espalhadas pelo império romano. Assim, é fácil perceber como o número 144.000 é facilmente ultrapassado pelas evidências! Notamos neste parágrafo outro aspeto muito comum nas publicações da Torre. Ela usa os autores conforme lhes convém, dependendo do ponto que quer provar. Neste caso, como quer desacreditar o número elevado de mártires cristãos procurou uma fonte que pretende mostrar que os historiadores Tácito e Suetônio não são lá muito credíveis, enquanto em outros artigos os apresenta como referências extraordinárias no que diz respeito a registarem e mencionarem a história cristã naquele tempo. Mesmo que possamos dar um desconto de que alguns mortos como cristãos não fossem assim tão ‘cristãos’, ainda assim, os números daqueles que foram mortos pela sua fé suplantam qualquer margem de erro que possa existir. “Muita coisa escrita sobre os mártires cristãos foi embelezada pela tradição e por isso não é fidedigna. Por exemplo, o martírio de Policarpo, no segundo século E. C., é descrito na obra Fox’s Book of Martyrs (Livro de Mártires de Fox) do seguinte modo: “Ele foi . . . amarrado a uma estaca, e incendiaram-se os feixes com que foi cercado, mas quando ficou tão quente que os soldados se viram obrigados a retirar-se, ele continuou a orar e a cantar louvores a Deus, por muito tempo. As chamas ardiam com grande violência, mas ainda assim seu corpo não foi consumido e brilhava como ouro brunido. Diz-se também que um cieiro agradável, como o de mirra, se elevava do fogo, o que espantou tanto os espectadores, que muitos se converteram ao cristianismo por causa disso. Seus executores, achando impossível matá-lo com o fogo, mergulharam uma lança no seu lado, do qual saiu sangue em tal quantidade que extinguiu a chama. Seu cadáver foi então reduzido a cinzas, por ordem do procônsul, para que os seus seguidores não o tornassem objeto de adoração.”” Aqui a organização usa a falácia do ‘homem de palha’ desviando a atenção do foco do assunto para algo que nem sequer estava em discussão. Neste caso, o que está em discussão não são aparentes milagres ocorridos durante o martírio de cristãos, mas sim se estes ocorreram e em que quantidade. No caso de Policarpo, o facto é que ele sofreu realmente martírio! “Não importa qual tenha sido a fonte de informações de Fox, é evidente que pouco desta narrativa é realmente histórico. Todavia, se a alusão à adoração dos restos de Policarpo deve ser considerada como indicação da existência da adoração de relíquias entre os professos cristãos do segundo século E. C., isto seria evidência adicional de que muitos daquele tempo não eram adoradores fiéis de Jeová Deus. Os cristãos estão sob a ordem de ‘adorar a Deus’, não relíquias. (Rev. 19:10) De fato, os idólatras encontram-se entre os mencionados especificamente nas Escrituras como inaptos para herdar o Reino. — 1 Cor. 6:9, 10.” Evidência adicional? Como assim? Será que porque alguns dos primitivos cristãos tinham reverência para com relíquias, isso significa que muitos ou a maioria ‘daquele tempo’ não eram verdadeiros adoradores? Será que ter práticas, ensinos ou crenças erradas faz faz das pessoas automaticamente ‘falsos adoradores’? Será que alguém ter em alta estima as chamadas relíquias de santos faz deles ‘idólatras’? Ora se for assim, podemos dizer que no tempo de Charles Taze Russell e mesmo após a sua morte, talvez por uns 50 anos, nenhum Estudante da Bíblia ou Testemunha de Jeová foi um verdadeiro adorador! Senão vejamos: “Na parte inicial de nosso século 20, antes de 1919, os Estudantes da Bíblia, como então eram conhecidas as Testemunhas de Jeová, precisavam ser libertados de uma espécie de cativeiro espiritual a idéias e práticas da religião falsa. Embora já tivessem rejeitado ensinos falsos tais como a Trindade e a imortalidade da alma, eles ainda estavam manchados de práticas babilônicas. Muitos haviam desenvolvido uma tendência de se considerar virtuosos aos seus próprios olhos, no desenvolvimento do caráter. Alguns exaltavam criaturas, entregando-se a um culto de personalidade que se centralizava em Charles T. Russell, o primeiro presidente da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, dos Estados Unidos. Sem base bíblica, celebravam aniversários natalícios e o Natal. A cruz ainda ocupava um lugar proeminente na sua maneira de pensar. Alguns até mesmo usavam na lapela o emblema de uma cruz e uma coroa, ao passo que outros almejavam a respeitabilidade que se conferia à cristandade.” – w89 1/5 pp. 3-7 Foi apenas décadas depois da morte de Russell que muitas destas práticas consideradas babilónicas foram abandonadas. Por exemplo, o Natal apenas deixou de ser celebrado nos anos 20, assim como o aniversário natalício. Podemos argumentar e usar a mesma lógica que a Torre de Vigia usa para os cristãos do primeiro século e afirmar que desde a época de Russell até à completa abolição das práticas e crenças consideradas babilónicas nos anos 20, 30 ou mais, que poucos seriam os verdadeiros cristãos dentro do grupo Estudantes da Bíblia e Testemunhas de Jeová, certo? Mas como é óbvio tal análise coerente é impensável à organização, pois deitaria por terra a suposta superioridade religiosa em relação à chamada “cristandade”. Também deitaria por terra o ensino de que Jesus veio escolher uma organização religiosa em 1918 e libertá-la da Babilónia figurativa em 1919, quando afinal ela ainda estava bem embrenhada na idolatria e paganismo. Por aqui percebemos como a organização é capaz de usar argumentos falaciosos para diminuir ou anular um facto, apenas porque ele vai contra a sua doutrina. Neste caso, é com respeito ao número 144.0000 ser literal mas poderia aplicar-se a muitas outras coisas! Conclusão Através desta análise, torna-se claro como o ensino de que apenas 144.000 cristãos com esperança celestial existiram desde o primeiro século até aos dias de hoje é completamente FALSO e facilmente é descartado. Ao se contabilizar o número de cristãos existentes (mesmo que por estimativa) nos primeiros séculos da Era Cristã, assim como aqueles que foram mortos pela sua fé, percebe-se que não apenas existiam alguns poucos milhares de cristãos, mas no mínimo 1 milhão de cristãos espalhados pelo império romano nos primeiros 3 séculos. Mesmo sendo mortos e perseguidos, o número de cristãos foi sempre aumentando até se tornar um movimento religioso tão importante que obliterou todos os outros! Negar isto é negar a história e agir como revisionista! E nisto a Torre de Vigia tem muita prática! Espero que este artigo tenha esclarecido mais este ponto e ajudado a perceber como tão facilmente se pode ser manipulado e levado a acreditar em algo comprovadamente falso! António Madaleno
1 Comment
Rute Alves
30/3/2024 21:01:19
Meus agradecimentos ao autor, Antônio Madaleno , nesse artigo deixa claro que o número 144.000 não pode ser literal. A Torre de Vigia buscar invalidar toda fé que não seja guiada pela sua liderança, felizmente temos pessoas dispostas a mostrar a verdade e trazer fatos que corroboram com a realidade dos fatos.
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