Estava o outro dia a ler uma notícia que relatava como um refugiado sírio que encontrou refúgio na Alemanha tinha devolvido 150.000€ que encontrara num armário doado por uma instituição de caridade (http://diariodigital.sapo.pt/news.a...). Muitas seriam as razões que causariam surpresa ao ler tal notícia. Nomeadamente como alguém vivendo numa situação precária, num país estrangeiro, certamente com muitas carências económicas e necessidades de diversas ordens, não se deixou tentar por uma situação “caída” do céu nem tentou encontrar qualquer justificação para guardar o dinheiro encontrado o qual, contudo, não lhe pertencia. E se o mesmo tivesse ficado calado, jamais alguém o viria a descobrir. Afinal o dinheiro não era roubado, mas tão-somente foi encontrado.
Simplesmente, este homem seguiu um impulso genuíno de honestidade e integridade. A notícia nada dizia acerca da filiação religiosa (ou não) deste refugiado sírio. Apenas nos diz que ele “não pensou duas vezes” ao devolver o dinheiro encontrado. Por muito pequeno ou isolado que se considere este gesto, tal atitude acalenta-nos a alma e, de uma certa forma, nos convence que o impulso para o bem está no coração de muitos seres humanos, independentemente da sua condição social, origem étnica, religião, etc. E muitas vezes tais gestos vêm de quem menos esperamos. Contudo uma pergunta acessória que se coloca é: Mas o que tem isso que ver com as Testemunhas de Jeová? Acontece que quem é membro devoto desta organização sabe o quanto atitudes e gestos de honestidade são sobranceiramente publicitados nas páginas das revistas “A Sentinela” e “Despertai!”, no site jw.org, ou em discursos proferidos em Salões do Reino, Assembleias e Congressos, como imagem de marca das Testemunhas de Jeová. E o som que retine nos ouvidos, mente e consciência dos ouvintes é que tais relatos são a evidência de que apenas “a” Organização é abençoada por Deus porque apenas as Testemunhas de Jeová são suficientemente honestas para manifestar tais atitudes. Senão vejamos:
E é precisamente aqui que necessitamos de fazer um exercício de equilíbrio e de bom senso. Na realidade, seria faltar à verdade dizer que apenas as Testemunhas de Jeová são suficientemente honestas para protagonizar tais gestos de integridade moral e pessoal. E para nos convencer disso, basta fazermos uma rápida busca na net (em diversos idiomas se possível) para encontrarmos um manancial de notícias que veiculam situações semelhantes. A título de exemplo vejamos apenas esses casos:
Claro é que a lista de casos semelhantes, tanto de Testemunhas de Jeová honestas, bem como de “mundanos” honestos é extensa e exaustiva. Mas vem isso a propósito de dizer que não qualifica, de forma alguma, uma atitude honesta (desculpem a redundância) e imparcial dizer que somente as Testemunhas de Jeová são possuidoras da marca identificadora da honestidade nas suas testas. Bem como seria extremamente desgracioso e preconceituoso dizer que não se consegue encontrar alguém honesto e íntegro nas” pessoas do mundo” ou “mundanos” (como chamam as Testemunhas de Jeová às pessoas que não pertencem à sua religião) que vivem no mundo “controlado pelo Diabo”. A verdadeira surpresa para muitas Testemunhas de Jeová (TJ) é quando encontram tais marcas de honestidade e rigor moral em pessoas que não são seus irmãos espirituais quando foram, ao longo dos anos, sutilmente induzidas a pensar que honestidade pura e autêntica só existe mesmo no seio do “povo de Jeová”. Existe, aliás, um chavão repetido que muitas TJ usam quando se cruzam de forma mais próxima com tais “mundanos” honestos que é dizer: “É tão boa pessoa que só lhe falta mesmo ser Testemunha de Jeová”. Mas aí está: existem “bons” e “maus” mundanos, assim como existem “boas” e “más” TJ. Só que quando uma TJ falha flagrantemente, diz-se que isso é fruto da imperfeição. Quando um “mundano” erra é por que está debaixo da influência do Diabo. Então se uma TJ é honesta porque serve a Jeová, o que motiva um “mundano” a ser honesto, se ele não está associado à Organização das TJ? Claro está que as TJ também reconhecerão, racionalmente, que pessoas boas e honestas existem em todo o lado. Mas o intenso programa de ensino e endoutrinamento a que estão sujeitas far-lhes-á interiorizar, no seu subconsciente e nas profundezas das suas emoções, que apenas as TJ são dignas de serem consideradas como genuinamente honestas e de confiança. Ora seria deturpar a realidade dos factos afirmar isso quando qualquer TJ já ouviu falar precisamente de experiências e atitudes desonestas e embaraçosas protagonizadas por membros da sua religião. E o contrário também já aconteceu quando tomam conhecimento de atos louváveis de honestidade e bondade praticados por pessoas “mundanas”. Só que é triste constatar que, quando isso acontece, as TJ usam a técnica dos binóculos invertidos: usam o lado de ampliação para olhar para os feitos e experiência das TJ, dando-lhes uma dimensão exageradamente louvável; e invertem os binóculos para avaliar as experiências dos chamados “mundanos” como pormenores atrofiados sem grande mérito nem merecedores de consideração. Convirá, neste preciso momento, esclarecer que a escrita deste artigo não se destina a falar gratuitamente contra as TJ, nem desvalorizar as muitas coisas boas que ocorrem no seu meio. Fazer isso seria um exercício de pura crítica venenosa e maldosa. Não é de forma alguma construtivo criticar só por criticar como se nada valesse a pena e tudo merecesse ser deitado fora. Fazer isso apenas contribui para nos tornarmos amargos e intolerantes. De facto existem muita gente boa e genuína no seio das TJ, plenamente convictos de que estão a fazer o que é certo e aquilo que Deus espera deles. Não existe a menor dúvida de que se vê em muitos deles a marca de verdadeiros e genuínos cristãos, embora ingenuamente iludidos e convencidos. O facto de concluir que determinados ensinos patrocinados pela Sociedade Torre de Vigia estão equivocados e são manipulativos, não invalida de forma alguma a admiração, o amor e afeto que merecem muitas Testemunhas de Jeová. O cerne da questão reside em que seria uma operação de cosmética desonesta afirmar que só os feitos das TJ merecem consideração e destaque ao passo que atos de bondade e de honestidade proveniente de pessoas de fora da organização não são dignos de consideração. Há 2 pensamentos bíblicos que podem vir à mente quando se pensa nesta questão da honestidade: a regra de ouro, enunciada por Jesus, e registada em Mateus 7: 12. E a ilustração de Jesus do fariseu e do cobrador de impostos descrita em Lucas 18: 9 – 14. No caso da regra de ouro de Mateus 7: 12 (“todas as coisas que querem que os homens vos façam, façam-nas também a eles”), é explícito nas palavras de Jesus que a forma de praticar esta regra não é simplesmente por se inibir de fazer algo de nocivo a outros que não gostaríamos que nos fizessem. Mas envolve ser-se pró-ativo e fazer o bem a outros. Por isso, muitos “mundanos” arriscam as suas vidas em missões humanitárias, por intervirem em catástrofes naturais ou em zonas de conflitos armados. Outros, como as populações em geral, por exemplo, ajudam os bombeiros no combate às chamas e fornecem géneros alimentícios e prestam outras formas de apoio. Alguns desses até são ateus e encaram as suas vidas como únicas sem nenhuma perspetiva pós-morte. No entanto, estes mesmos estão dispostos a oferecer as suas vidas, se for necessário, enquanto praticam o bem sem olhar a quem. E é óbvio então que, no campo da honestidade, muitos que a manifestam também não são TJ nem mesmo crentes, e não se comportam assim por sentirem um permanente estado de vigilância divina por cima dos seus ombros ou por recear um prospetivo castigo em caso de não cumprimento das normas. Simplesmente o fazem por que … é a coisa certa a fazer. Satisfazem-se com o simples sentimento de que farão algo de bom a alguém por uma mera questão de princípio de vida, muitas vezes de forma anónima, e sem esperar nada em troca, Reproduzem, de forma ativa, o tipo de comportamento e atitude que gostariam que outros tivessem com eles. E essa postura, acreditemos, não é exclusiva das TJ. E é isso que prova que os verdadeiros cristãos não estão apenas limitados ao interior dos muros da Organização mas estão em todo o lado, independentemente de crenças pessoais e filiações religiosas. E nisso é louvado Deus por ter uma família de adoradores tão diversificada. E é certamente isso que agrada ao Pai Eterno e ao seu amado filho. Aliás seria extremamente frustrante para eles verificar que dos mais de 7,4 bilhões de indivíduos que compõem a atual população mundial, apenas cerca de 8,2 milhões (cerca de 0,11% da população mundial) são honestos. Se assim acontecesse, seria evidência de fracasso e não de sucesso. Resta-nos falar então da ilustração de Jesus conforme registada em Lucas 18: 9-14, acerca do “auto justo” fariseu que desprezou um contrito cobrador de impostos. Por que vem esta ilustração a propósito da questão da honestidade? Voltamos a chamar o seguinte ponto à atenção: ninguém nega que existe um alto nível de honestidade no seio da comunidade das TJ. Nem que não exista manifestação de amor cristão por parte de muitos deles. Acontece porém que quando levamos tanto tempo e enveredamos tantos esforços para nos auto elogiar quanto ao que fazemos de positivo, desdenhando de outros, mais não fazemos do que imitar a atitude arrogante e orgulhosa do fariseu que desprezava o cobrador de impostos ao passo que enumerava as suas muitas consecuções perante Deus em oração. Todavia, as próprias palavras de Jesus, referindo-se ao cobrador de imposto mortificado pela sua condição pecaminosa, contêm uma poderosa lição. É interessante notar que, logo no versículo 9, o evangelista Lucas introduz-nos o relato da seguinte forma (conforme TNM): “Ele também contou a seguinte ilustração a alguns que confiavam na sua própria justiça e consideravam os outros como nada.” Não obstante o quanto muito de bom se possa praticar, despe-se de todo valor qualquer bem que possamos realizar quando entramos no campo do desdém, da comparação e do desprezo por aquilo que outros fazem só por que tais pessoas não estão alinhadas na íntegra com a nossa confissão religiosa e com nossas convicções. As próprias palavras de Jesus, no versículo 14, deveriam servir como mecanismo de afinação das nossas próprias consciências, quando ele diz: “Este homem desceu para casa mais justo do que aquele fariseu. Porque todo aquele que se enaltecer será humilhado, mas quem se humilhar será enaltecido.” Estas palavras de Cristo deveriam fornecer um poderoso antídoto contra a tendência inerentemente humana de nos compararmos a outros à custa de obras e consecuções. Deveriam alertar-nos contra a propensão em desconstruirmos qualquer mérito que exista em pessoas ou organizações que praticam boas obras honestas só por que não pertencem ao nosso universo religioso. Continuar neste proceder egocêntrico, e desdenhoso, apenas levará naturalmente a humilhações futuras e embaraçosas. E isto … será apenas uma questão de tempo. Por Estêvão Bereano
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