A recente decisão do Supremo Tribunal da Rússia de interditar e, consequentemente, banir a atividade das Testemunhas de Jeová nesse país não terá sido propriamente uma surpresa para muitos inclusivamente para as próprias Testemunhas de Jeová e, em particular, para a sua cúpula dirigente (Corpo Governante). Muito se tem escrito nestes últimos meses e semanas acerca desta disputa que foi parar às barras do tribunal. Por isso, as expectativas eram grandes, especialmente para os membros da Organização que vivem na Rússia. Antes de mais permitam-me que diga o seguinte: ainda sou Testemunha de Jeová com décadas de afiliação atrás de mim. Defendi com unhas e dentes esta religião que julguei ser a única verdadeiramente aprovada por Deus e desprezei as outras religiões como sendo apenas peças da engrenagem do Diabo para manipular a massa da humanidade e afastá-la de Deus através do engano. Foi assim até que determinados acontecimentos dramáticos vividos por mim, alguns anos atrás, na primeira pessoa, obrigaram-me a repensar e colocar-me perante a cadeira do Juiz Supremo. E não me refiro a acontecimentos que me tenham causado prejuízo pessoal. Se apenas fosse isso, acredito que teria sido mais fácil ultrapassá-los, empacotá-los e arrumá-los numa prateleira da minha mente. Aliás, esse é o tipo de treinamento a que as Testemunhas de Jeová estão acostumadas. Os acontecimentos a que me refiro atrás causaram (e ainda causam) enorme sofrimento em muitas pessoas que faziam (e ainda fazem) parte do rebanho que estava ao cuidado do Corpo de anciãos do qual eu fazia parte e, como tal, terei de assumir a minha parte de responsabilidade por isso. Todavia, quando a doce ilusão embateu de frente com a dura realidade, o despertar foi penoso. De nada adiantaram as muitas orações, estudo e leitura da Bíblia e assistência regular às reuniões. Bem pelo contrário. Agora de posse de novas (e penosas) experiências vividas comecei a aperceber-me de evidências bíblicas e divinas que sempre estiveram perante mim mas cujas lentes que eu tinha colocado na frente dos meus olhos (do entendimento e do raciocínio), e que eu fui persuadido a usar por anos, distorciam e davam-lhes uma dimensão e enquadramento tão afastados daquilo que é a beleza, simplicidade e pureza do verdadeiro cristianismo, isento da contaminação ideológica e atitudes egocêntricas de homens tão imperfeitos quanto eu, mas que eu via, até então, como os instrumentos de Jesus para liderar o seu verdadeiro rebanho aqui na terra. Hoje, a minha perspetiva é muito diferente. Todavia, longe daquilo que eu vivi ter-me afastado de Deus ou beliscado a minha fé nele e no seu filho, pelo contrário, considero-me hoje como um cristão mais pleno e assumido, mais compassivo e compreensivo, mais aberto, menos preconceituoso, menos julgador, e em maior sintonia com o Pai e o seu Filho. Significa então que me sinto legitimado para cuspir dentro do prato onde me alimentei durante décadas? De forma alguma. Em suma apenas dizer o seguinte: Longe de me ter causado um sentimento de êxtase, de alegria ou de triunfo, não consigo regozijar-me com a decisão do Supremo Tribunal russo. Pelo contrário, o meu coração hoje está triste. E estou preocupado pelas cerca de 170.000 Testemunhas de Jeová que vivem nesse país e que irão sofrer as consequências desta decisão. Isto vai resultar em muito sofrimento para as famílias, para as crianças, para os idosos e tantos outros. É impossível ficar-se indiferente a tudo isso. Confesso: já orei e continuarei a orar pelas Testemunhas de Jeová russas. Mas não somente por elas. Hoje oro a favor de todos os cristãos, islâmicos, budistas, agnósticos, ateus e outros que fazem parte da família humana e que sofrem pelo mundo inteiro mas que, na sua essência, e no caso de muitos, são seres humanos com um coração do tamanho do mundo e sobre os quais, tenho a certeza, o valor do sacrifício resgatador de Cristo também é derramado para a obtenção de bênçãos futuras eternas onde quer que isso seja. Todavia, precisamos ser objetivos e perceber que aquilo que sucedeu agora com as Testemunhas de Jeová na Rússia não é uma campanha dirigida apenas a esta religião. Pensar assim, seria ser-se possuído de miopia analítica e alimentar o complexo da perseguição que as TJ tanto prezem para reforçar a sua convicção de ser a única religião verdadeira. Em redor do mundo, muitos cristãos de outras denominações religiosas também são perseguidos, como é o caso na Eritreia, conforme se poderá constatar nos seguintes links: Religião na Eritreia https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o_na_Eritreia Eritrea: Christians who were arrested https://semadema.com.br/novo/eritreia-testemunho-de-cristaos-que-foram-presos/?lang=en A igreja na Eritreia sofre a perseguição http://bandasheknar.webnode.com.br/products/a%20igreja%20na%20eritreia%20sofre%20a%20persegui%C3%A7%C3%A3o/ Na verdade, sinto imensa preocupação por que a decisão que o Supremo Tribunal russo tomou poderá não ser mais do que a “legitimação” de uma campanha de intolerância e perseguição religiosa que irá estender-se a outras religiões e denominações cristãs e não-cristãs naquele país. Aliás basta pesquisarmos um pouco na internet para nos apercebermos disso, como por exemplo: Professor preso por pregar uma religião não tradicional: o ioga http://www.dn.pt/mundo/interior/professorpreso-por-evangelizar-uma-religiaonao-tradicional-o-ioga-5601655.html Nova lei pode comprometer liberdade religiosa na Rússia http://www.cpadnews.com.br/universo-cristao/35010/nova-lei-pode-comprometer-liberdade-religiosa-na-russia.html World summit to defend persecuted Christians pulls out of Russia following new religion law http://www.deseretnews.com/article/865659549/World-summit-to-defend-persecuted-Christians-pulls-out-of-Russia-following-new-religion-law.html Putin Signs Measure Revoking Religious Freedom: ‘Most Restrictive in Post-Soviet History’ http://www.breitbart.com/faith/2016/07/10/putin-signs-measure-revoking-religious-freedom/ Mediante isso, convirá não nos esquecermos de que os Governantes atuais russos são legítimos herdeiros da era soviética e saudosistas dos tempos de glória da ex-URSS em que os direitos humanos eram coisa miúda e descartável perante a importância do esplendor da pátria mãe. Hoje, esta nação procura recuperar não só o prestígio quanto o protagonismo que teve no xadrez político e militar mundial. Além de mais, as TJ não conseguem descartar da sua imagem a etiqueta de religião “Made in USA”. Ora neste momento da história em que os Estados Unidos lançaram um ataque ao regime sírio, em retaliação ao uso de armas químicas contra o próprio povo sírio, causando irritação aos russos, aliados de Bashar Al-Assad, tudo o que soa a “americanismo” não será certamente bem visto no país dos Czares. Muito provavelmente, o Tribunal Federal da Rússia já tinha a decisão tomada muito antes sequer das sessões de julgamento terem-se iniciado. O Kremlin já tinha muito presumivelmente, e previamente, ditado a sentença. Por isso de nada serviram as milhões de bem-intencionadas cartas enviadas pelas TJ do mundo inteiro senão para alcançar nomeadamente o seguinte: entupir os serviços postais russos, irritar as autoridades do país e possibilitar a constituição da maior base de dados de todas as TJ do mundo inteiro que os serviços secretos russos passarão agora a ter (se assim o quiserem). Como eu já o disse, esta proibição na Rússia entristece-me profundamente. Todo o ser humano tem o direito fundamental de adoração e liberdade religiosa e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas, é um monumento, um hino e um lembrete disso mesmo: https://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_dos_Direitos_Humanos http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf Todavia, e infelizmente, determinados governos e governantes não se refreiam de desrespeitar os mais básicos direitos humanos quando a sua autoridade e poder está em causa, mesmo que a suposta ameaça possa vir de uma organização, de um grupo de indivíduos ou de uma pessoa singular que pouca expressão poderá ter no plano político. Claro é que dificilmente se poderá considerar a Organização das Testemunhas de Jeová como uma ameaça política ou militar para qualquer governo ou nação. O mesmo já não se poderá dizer em relação às chamadas grandes religiões instituídas já por séculos a quem as TJ têm vindo a roubar adeptos e a dirigir críticas ácidas e denunciadoras. E quanto a isso, a Igreja Ortodoxa russa deverá estar neste momento a esfregar-se as mãos de satisfação. Lamentavelmente, a intolerância religiosa ainda existe no século XXI. E as TJ estão a ser vítimas disso neste momento na Rússia numa escala ampliada. Contudo, existe uma segunda razão pela qual esta interdição deixa-me triste. E basicamente ela prende-se, não só com a motivação que está por detrás dela, mas também com as consequências e efeitos que terão (ou não) na Organização das Testemunhas de Jeová. É verdade que dificilmente a Organização muda algo no seu funcionamento ou no seu currículo doutrinário em função da pressão externa. Mas quando pensamos no extraordinário trabalho realizado pela Comissão Real australiana em relação aos casos de abusos sexuais de crianças no seio da Organização (Nota: As TJ não foram as únicas visadas, já que outras organizações, de cariz religioso ou civil, foram interpoladas), especialmente nas pessoas do Juiz Peter McLellan e de Angus Stewart, não podemos ficar indiferentes à preparação cuidadosa e profissional que estes homens imprimiram no seu trabalho e na forma como puseram a Organização em sentido deixando os anciãos e representantes da Organização, chamados a depor, em posições embaraçosas. É verdade que a maioria das TJ vão sempre encarar esta ação da Comissão Australiana como mais uma infâmia e calúnia. Contudo, perante uma análise objetiva e imparcial dos factos apresentados pela Comissão, todos os argumentos invocados pela Organização desmoronam e tornam-se risíveis, para não dizer dramáticos quando pensamos nas infelizes vítimas que sofreram abusos em silêncio durante décadas e que agora tiveram finalmente alguém que acreditou nelas e levantou-se para exigir a mínima justiça já que, e vergonhosamente, a própria Organização, que deveria ser a primeira a pedir desculpas e procurar reparar os erros do passado, não somente não teve uma atitude pró-ativa, como pecou por arrogância e insensibilidade perante o horrível sofrimento infligido a milhares de crianças. Mas não só de pedofilia a Comissão australiana tratou. Abordou, nomeadamente, os casos de ostracismos praticados contra quem tenha saído da organização e do resultante sofrimento. Quando soube da decisão do Supremo Tribunal russo, nem por um segundo me veio à mente dizer: “É bem feito! Têm aquilo que merecem”. Não! Sou muito sensível ao sofrimento humano. E confesso que senti, e ainda sinto, uma sensação de depressão e mal-estar. Mas não poderei deixar de pensar que também a Organização, através do seu código talmúdico de regras resultantes das suas interpretações “empresariais” da Bíblia causou, e continua a causar, imenso sofrimento e mortes em muitos dos seus membros e ex-membros. Por isso fico triste com a decisão do Tribunal Federal russo por perceber que essa decisão não irá alterar ou suavizar nada no seio da Organização de forma a tornar a vida dos seus membros mais feliz e menos opressiva. Pelo contrário, esta interdição irá fornecer o combustível necessário para alimentar a ideia no seio das TJ de que estão debaixo de um ataque orquestrado por Satanás e de que a grande tribulação está iminente. Espero enganar-me mas creio que o jugo a carregar pelas TJ no mundo inteiro vai passar a ser mais pesado, e consequentemente, mais deprimente. Quando recordo os vídeos exibidos nos Congressos Regionais do ano passado, não consigo deixar de pensar que muito daquilo que foi mostrado (a história do rapaz TJ russo que queria ser violonista e sofreu perseguição; os refugiados no “bunker” que são presos pelas tropas de choque) terá sido uma jogada de antecipação do Corpo Governante perante aquilo que sabia que estava em marcha na Rússia. Já consigo imaginar a maioria das TJ dizer: “Como o Corpo Governante é tão sábio! Eles que bem nos avisam!” Infelizmente já é assim por muitas décadas, praticamente desde os tempos de Russell. Por isso sinto que esta interdição vai causar os efeitos mais indesejados nesta Organização, a saber, o Corpo Governante vai tornar-se mais dogmático e intransigente. Por sua vez vai colocar maior pressão nos Superintendentes de Circuito os quais vão dar a bênção aos anciãos congregacionais mais dogmáticos, frios e rudes para colocar os membros da congregação na linha. Creio, muito provavelmente, que vai se viver uma espécie de “estado de sítio” com as resultantes paranóias e extremismos exacerbados. Os anciãos de cariz dominadora e extremista vão sentir-se como peixes na água porque estarão legitimados para imprimir uma dinâmica de pressão no rebanho ao passo que os anciãos mais ponderados e moderados vão ficar no banco dos suplentes porque não corresponderão com o “zelo” exigido aos parâmetros impostos. Neste momento estou triste porque não antevejo que questões como a forma de tratar os desassociados (especialmente familiares desassociados), a posição em relação às transfusões de sangue, os casos de pedofilia venham a sofrer uma mudança para melhor. Pelo contrário, sinto que tais assuntos, e outros, vão esbater e ficar camuflados porque prioridades organizacionais de sobrevivência tomarão a primazia. Receio que se volte a viver a euforia anterior aos anos que precederam 1975 com os respetivos dogmatismos e as consequências que daí resultaram. Claro que tudo isso é apenas especulação minha e desejo muito sinceramente, mas muito mesmo, estar enganado. Contudo, como já o disse, hoje estou triste, não só por mim, mas pelos cerca de 8.500.000 de TJ espalhadas pelo mundo. Contudo, confio no amor do Pai e do seu amado filho. E para concluir gostaria de deixar o seguinte pensamento bíblico. Trata-se de 1 Coríntios 15:22, onde Paulo escreveu: “Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos receberão vida em Cristo.” Confio que o amor do Pai é tão abrangente, e para além da compreensão humana, que o valor do sacrifício da vida perfeita de Jesus resultará em vida não só para uns poucos mas, como disse o apóstolo Paulo, para todos. Como isso acontecerá, não me parece ser a questão mais importante. A questão primordial é: acontecerá mesmo? E para mim a resposta é um grande SIM. Por Estêvão Bereano
2 Comentários
irmãos confiamos em jeova q todas as coisas vão dar certo é só ter a fé irmãos
23/4/2017 06:50:36
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