Este é um dos temas mais controversos de analisar do ponto de vista religioso. Em quase todas as culturas, o suicídio é encarado como uma grave falta pessoal porque atenta contra a própria vida e provoca na família e comunidade uma sensação de abandono e impotência. São raras as pessoas que não conhecem alguém ou o familiar de alguém que cometeu suicídio. Em Portugal, por exemplo, a taxa de mortalidade por suicídio passou para 11,7 por 100 mil habitantes, em 2014, quando em 2012 e 2013 tinha sido de 10,1, por 100 mil habitantes.[1] A nível mundial é a décima causa de morte, com cerca de um milhão de pessoas mortas por suicídio anualmente.[2] Sendo um tema tão sensível, existem interpretações diferentes quanto ao destino daqueles que se suicidam, indo desde a crença de que estes irão direitos para o Inferno ou para a aniquilação total, sem direito a ressurreição (dependendo da crença). Visto que a Bíblia não apresenta um ensino ou lei específicos sobre o suicídio e os exemplos de suicidas na Bíblia são apresentados de modo isento e sem qualquer tipo de juízo por parte do escritor inspirado, resta-nos tirar ilações do quadro geral que a Bíblia apresenta, mas nunca podendo ser dogmáticos quanto ao assunto. História do Suicídio A palavra suicídio foi utilizada pela primeira vez no século XVII, na Inglaterra. O termo aparece na obra do inglês Sir Thomas Browne, na obra Regio Medici, publicado em 1642 (Sena, 1967). Desde a antiguidade até os nossos dias atuais, muitas pessoas buscaram como solução o tirar a própria vida, mas esta escolha nunca foi percebida como indiferente, porém sempre foi muito contraditória no decorrer dos tempos, seja no campo sociocultural, como económico, filosófico, politico e religioso. Em algumas sociedades foi considerada um ato de heroísmo; em outras, um ato de liberdade ou ato de reprovação social. Na Grécia Antiga não existe unanimidade com relação a morte voluntária. Existiam divergências entre correntes filosóficas no decidir sobre a própria vida e a própria morte, bem como aquelas que defendiam o fato de que o ser humano não deve raciocinar em função de seu interesse pessoal e individual, portanto não tinha o direito de tirar a própria vida, já que esta deveria ser resguardada para um bem social. Na Roma Antiga, a legitimidade da morte voluntária vai depender da classe social a qual o homem pertence. Obviamente que, por razoes económicas este ato é negado para os escravos e soldados, enquanto que para os homens livres não existe nenhum veto legal ou religioso que os impeça de faze-lo, bem como não existem sanções legais que são destinados aqueles primeiros que tentam tirar a própria vida, legitimando o suicídio para uma determinada classe social, se configurando mais uma vez a questão contraditória do suicídio não só no tocante a uma época e aos motivos do ato em si, mas divergindo em um contexto social de uma mesma época. Na Idade Média a morte voluntária é considerada uma tentação diabólica ou um ato de loucura. No entanto, mais uma vez depende da classe social a qual o indivíduo pertence. Quando se trata dos camponeses, escravos, colonos e do artesão, que fazem parte da plebe, sendo estes ligados a terra e ao seu senhor, o ato é considerado criminoso e não importa o motivo que levou a pessoa a cometer o ato, sendo que ao morto estão negadas todas as honras fúnebres, bem como o confisco de bens(?) de sua família e a condenação eterna do morto, tendo a colaboração do estado e da Igreja para esta regulamentação socio-económica. Já quando se tratam dos cavaleiros medievais, este ato vem com o significado de um ato de coragem, bravura e patriotismo para com o Estado. No Renascimento, as atividades económicas caracterizam-se pelo individualismo. Em consequência disto, a tendência ao isolamento crescem, trazendo consigo a angustia, as incertezas e a inquietude que colaboram para o suicídio. No Iluminismo, a explicação sai de uma teoria exclusivamente religiosa para dar ingresso a um ato da ordem do humano, sendo resultado de circunstâncias sociais e/ou psicológicas. A posição dos Filósofos das Luzes é flutuante e não sistematizada quando o assunto é suicídio. O advento da Revolução Industrial trouxe a desagregação dos laços de pertença, pois o individualismo e o isolamento crescente permitiu um distanciamento cada vez mais crescente das ligações tradicionais sociais e da religião, proporcionando assim um aumento das taxas de suicídio. No século XX, a reprovação e as contradições sobre o suicídio permanecem. Obs.: Os suicidas não tinham direito ao enterro religioso. [3] O Suicídio na Bíblia Nas Escrituras Sagradas, o suicídio não é mencionado enquanto prática à luz da Lei Mosaica. Deus foi completamente omisso quanto a como encarar um israelita que cometesse suicídio. A Bíblia menciona apenas o suicídio de sete pessoas:
Todos estes homens que a Bíblia menciona eram da nação israelita, tendo alguns deles cargos elevados na nação. No caso de Sansão, alguns podem alegar que não se tratou efetivamente de um suicídio, porque o objetivo era matar os filisteus presentes na festa. [4] Mas a declaração de Sansão dizendo: “Morra eu com os filisteus” não deixa margem para dúvidas de que Sansão sabia exatamente o que iria acontecer ao derrubar as colunas principais da casa. Neste caso, foi um ato voluntário de sacrifício pessoal, de modo a matar o maior número possível de inimigos e a anticipar a sua mais que certa morte às mãos dos filisteus inimigos. Assim, os relatos dos suicidas na Bíblia são contados de forma isenta nas Escrituras e nenhum juízo é feito em razão de tal ato – nem de aprovação, nem de condenação. Motivos que levam ao suicídio É importante entendermos que, a probabilidade de uma pessoa cometer suicídio varia num contínuo, que contempla a ideação suicida – pensamentos acerca da possibilidade de cometer o suicídio - a tentativa de suicídio – gestos auto-destrutivos não fatais – até ao suicídio consumado, que resulta em morte. Mas face a qualquer um desses grupos, naturalmente a questão à qual gostaria de saber uma resposta, se prenda com o que motiva alguém a escolher terminar com a sua própria vida. Em termos genéricos, por um lado, o suicídio veicula o desejo de uma pessoa em escapar ou terminar com o seu sofrimento (que é resultante de variadíssimos problemas) e, por outro lado, o seu desejo em comunicar o seu sofrimento aos outros – é um pedido de ajuda. Além disso, cada pessoa tem os seus próprios motivos, muito particulares, profundos e extremamente dolorosos que a levam a ponderar desistir de viver. Uma mudança repentina nas suas circunstâncias de vida, tais como dificuldades financeiras, desemprego ou perda de estatuto sócio-económico, mudanças no contexto familiar ou relacional (divórcio, fim de uma relação, morte de um familiar…) ou ainda a sensação de isolamento, solidão e a ausência de horizontes ou projetos futuros podem constituir factores relevantes. Não esqueçamos também a companhia indesejável de certos transtornos do humor tais como depressão e transtorno bipolar, bem como a esquizofrenia (transtorno psicótico), que podem contribuir para um estado de maior desorganização e desconforto emocional, ao fragilizarem as potenciais competências para pensar em soluções e lidar com as adversidades, o que por sua vez aumenta a possibilidade do desespero se tornar ainda mais intolerável. Sabia que mais de metade das pessoas que se suicidaram, estavam deprimidas? Estima-se ainda que o risco de suicídio ao longo da vida em pessoas com transtornos do humor (principalmente a depressão) é de 6 a 15%; com alcoolismo, de 7 a 15%; e com esquizofrenia (transtorno psicótico), de 4 a 10%. A comunidade científica também nos informa que a probabilidade de tentar o suicídio é duas a três vezes superior nas mulheres, enquanto os homens apresentam uma probabilidade quatro vezes maior de o consumarem. A escolha do método de suicídio, que pode ser influenciada pela disponibilidade de meios, também é variável em função do género feminino ou masculino. Na verdade, talvez possa ficar surpreendido ao se aperceber que a maioria das pessoas que pensam, tentam ou cometem o suicídio, escolheriam outra forma de solucionar os seus problemas, se não se encontrassem numa tal angústia que as incapacita de avaliar as suas opções objectivamente. A sua intenção é parar a sua imensurável dor psicológica e não pôr termo à sua vida. Dão por isso sinais de esperança de serem salvas. Querem simplesmente fugir das duras realidades da vida e tensões com as quais não conseguem lidar, para as quais não vêm uma solução possível, nem perspectiva de melhoria ou mudança no futuro. [5] O Doutor Pablo Martinez Vila, renomado psiquiatra de Barcelona (Espanha) e um líder cristão comprometido atualmente é Diretor da Rede Europeia de Conselheiros Cristãos. Ele explica que o transtorno bipolar gera crises de euforia alternados com outras de depressão profunda. “É uma doença orgânica, associada a uma alteração do que poderíamos chamar de “metabolismo” do cérebro. O equilíbrio de nosso cérebro depende da relação bioquímica de várias substâncias (neuro-transmissores). Quando este equilíbrio é alterado, surgem várias doenças mentais, uma das quais é a bipolaridade. Sua origem não é espiritual, mas pode ter consequências sérias, afinal o ser humano é uma unidade onde corpo, mente e espírito estão interligados”, explica. [6] Ele continua dizendo que “quando uma pessoa comete suicídio, sob a influência de uma doença mental, como transtorno bipolar, sua vontade e pensamentos estão cegados pela doença. Há uma profunda distorção de percepção da realidade… Nos casos mais graves, esta distorção pode ser delirante, o paciente imagina coisas que só existem em sua mente.” Sendo assim, ele conclui, “não podemos dizer que há plena consciência do que é feito. É um ato que possivelmente nunca ocorreria em condições normais, fora de uma crise. Prova disso é que, quando uma pessoa com doença mental comete um crime, seja um assalto ou até mesmo um assassinato, a justiça humana atenua ou mesmo anula a responsabilidade do paciente nessas circunstâncias. Se um juiz humano leva isso em conta, quanto mais o nosso Deus, que é o juiz perfeito! Isso realmente traz muito conforto e esperança para aqueles que perderam um ente querido nessas circunstâncias”. [7] Podemos assim concluir que na maioria dos casos, o suicídio não é resultante de um desejo de morrer per si, mas de um conjunto de fatores que levam a pessoa a desejar a morte. Um claro exemplo bíblico disso está registado em Génesis capítulo 37. Após os irmãos de José comunicarem ao seu pai Jacó a pretensa morte de José, ele “rasgou as suas roupas e pôs um pano de saco em volta da cintura, e guardou luto muitos dias pelo seu filho. Todos os seus filhos e todas as suas filhas tentavam consolá-lo, mas ele se recusava a ser consolado e dizia: “Descerei para a Sepultura chorando pelo meu filho!” E ele continuava a chorar por seu filho”. – Génesis 37:34-35 (TNM Revisada) A dor da perda era tão grande que o desejo deste pai em luto era juntar-se ao seu filho na morte! Aqueles que já perderam entes queridos na morte sabem como nesses momentos de luto, existe muitas vezes o real desejo de morrer. Outros personagens bíblicos passaram também por semelhantes emoções devastadoras a ponto de desejar morrer. Temos o exemplo de Jó, Moisés e Elias. Como encarar o suicídio à luz da Bíblia A tradição judaico-cristã partilha dos valores associados à santidade da vida e a ordem bíblica dada nos 10 mandamentos, especificamente o 6º mandamento com a ordem “Não matarás”, torna implícito que tirar uma vida sem que a essa acção esteja associada uma causa legítima (ex. em caso de defesa da própria integridade física), é um pecado aos olhos de Deus, porque apenas a Ele é dado o direito de dar ou tirar uma vida. Desviemos agora o nosso olhar do ato de tirar a própria vida e foquemos outro aspeto importante. E esse pode determinar a forma como encaramos este assunto. Temos que nos lembrar que a morte de Jesus Cristo como o Messias veio libertar-nos das consequências nefastas dos nossos pecados: “Além disso, embora vocês estivessem mortos por causa das suas falhas e do estado incircunciso da sua carne, Deus lhes deu vida junto com ele. Ele nos perdoou bondosamente todas as nossas falhas e apagou o documento manuscrito que consistia em decretos e estava em oposição a nós. Ele o removeu, pregando-o na estaca.” – Colossenses 2:13-14 (TNM Revisada) Como Sumo Sacerdote no templo celestial, Jesus Cristo põe em acção os benefícios do seu sacrifício pessoal, levando Deus a perdoar as falhas de todos aqueles que depositam fé no Seu Filho (Hebreus 10:11-18). Podemos dizer que existem pecados ou falhas tão grandes que não possam ser beneficiários do seu sacrifício na cruz? É claro que não! Para Deus não existem pecados grandes ou pequenos, existem pecados ou falhas que todos nós cometemos e dos quais necessitamos perdão. E como já vimos, existem múltiplos fatores que levam alguém a cometer suicídio, mesmo entre os cristãos. Um dos principais é a profunda depressão (depressão major). Repetimos o que já mencionamos antes: “Mais de metade das pessoas que se suicidam estavam deprimidas.” Ninguém pode por isso colocar-se como juiz de outro ser humano, porque os únicos que conhecem o coração do homem são Deus e Seu Filho (Romanos 8:27). Afirmar que alguém fica condenado porque cometeu suicídio é “ir além do que está escrito” e determinar uma sentença que não lhe cabe dar. Mas alguém pode questionar se um suicídio não é uma “blasfémia contra o Espírito Santo de Deus”. Na realidade não é, visto que blasfemar contra o Espírito Santo envolve uma acção rebelde e impenitente contra Deus. A palavra “blasfêmia” tem o sentido de linguagem difamatória e injuriosa contra Deus ou uma atitude que revele um coração pecaminoso ao extremo onde não existe arrependimento. Paulo escrevendo a carta conhecida como “Carta aos Hebreus” disse de modo claro: “Pois, se praticarmos o pecado deliberadamente depois de termos recebido o conhecimento exato da verdade, não há mais nenhum sacrifício pelos pecados, mas há uma expectativa terrível de julgamento, e há uma ira ardente que vai consumir os opositores.” – Hebreus 10:26, 27 (TNM Revisada) Acontece que a pessoa que se suicida muitas das vezes o faz em completo desespero e desesperança em relação à sua situação presente, não encontrando as forças necessárias para superar os sentimentos negativos que a afligem ou falta de vontade de viver (devido aos problemas físicos e emocionais que enfrenta). Não significa que ela não tenha fé em Deus ou se tenha rebelado contra Deus, mas tão somente sente que a sua situação atual é tão aflitiva que a única saída que encontra para solucionar o problema é a morte. É nesse contexto que encontramos servos de Deus no passado desejando a morte e pedindo a Deus para que a sua vida terminasse. O sábio rei Salomão, reconhecendo o devastador efeito emocional que uma situação opressiva ou estressante tem sobre o indivíduo disse: “A opressão faz endoidecer até as pessoas com entendimento.” – Eclesiastes 7:6 (O Livro) Se reconhecermos como os sérios problemas do quotidiano podem levar a pessoa a sentir-se emocionalmente devastada, depressiva e sem esperança, podemos entender que o ato de suicídio não é um ato egoísta, mas sim um ato desesperado de alguém que não encontra saída para os seus problemas e cuja mente perturbada alguém a desistir de procurar soluções ou acreditar que estas existem. É claro que isso não transforma o ato suicida em algo a ser encarado de modo leviano ou como solução. Longe disso! O suicídio é um pecado sério, porque atenta contra a vida que Deus criou e cujo direito de a findar pertence exclusivamente a Ele. No entanto, reconhecer todos os fatores envolvidos pode levar-nos a desenvolver empatia por aqueles que passam por situações emocionalmente complicadas e que até mesmo expressam o desejo de morrer. Ajuda-nos também a olhar para um suicida com olhos compassivos em vez de julgadores, reconhecendo que tal pessoa está nas mãos de Deus, cujo o amor e misericórdia ultrapassam os nossos próprios sentimentos de amor e misericórdia limitados. Se existe alguém que avaliará todos os fatores que levaram certa pessoa a pôr termo à vida e os conhece melhor que ninguém é o próprio Deus e Seu Filho Jesus Cristo, aquele que julgará os vivos e os mortos (2ª Timóteo 4:1). Temos que ter em mente também o seguinte, segundo as palavras de Paulo: “Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, Nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor.” – Romanos 8:38, 39 Visto que nada nos pode separar do amor de Deus, muito menos um ato pecaminoso praticado debaixo de um estado emocional alterado (tal como uma depressão profunda), não podemos partir do princípio que um suicida estará condenado para sempre diante de Deus. O que é mais forte? O poder do sangue de Cristo vertido na cruz e que perdoa todos os pecados, ou a morte trágica de alguém que num ato desesperado e por vezes irrefletido decide acabar com sua vida? Creio que a resposta é tão óbvia que não necessita de resposta… Como pudemos ver, a Bíblia é omissa em avaliar os casos das pessoas que suicidaram-se e por isso, não se pode criar um dogma em torno deste assunto. Em último caso, estará nas mãos de Deus determinar o estado mental da pessoa que executou tal ato e a possibilidade de usar o poder do sacrifício de Cristo em tal caso. Em última análise, ninguém pode ser taxativo quanto à forma como Deus liderará com essa pessoa e qual será o seu destino final. Na próxima parte iremos analisar algumas informações sobre a forma como um cristão pode ajudar alguém com tendências suicidas ou que esteja na eminência do suicídio. António Madaleno Parte II [1] http://economico.sapo.pt/noticias/taxa-de-mortalidade-por-suicidio-em-portugal-aumentou_245620.html [2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Suic%C3%ADdio [3] http://www.consultoriapsi.net/news/historia-do-suicidio-aspectos-culturais-socioeconomicos-e-filosoficos/ [4] http://www.cacp.org.br/sansao-cometeu-suicidio/ [5] http://oficinadepsicologia.com/depressao/suicidio [6] [7] https://noticias.gospelprime.com.br/psiquiatra-cristao-suicidio-perdao-deus/
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